Canto do Inácio

Monday, February 26, 2007

EM TORNO DO OSCAR
INÁCIO ARAUJO

1) Deram o maior cartaz no Oscar para aquele "O Labirinto do Fauno". Francamente, o labirinto ali entra como enganação de um filme que não faz mais que reproduzir a idéia mais feita sobre a Guerra Civil Espanhola: os fraquistas são feios, maus e torturadores; os republicanos, idealistas, bonitos e bons rapazes.
Francamente...

2) Começou a circular há alguns dias uma versão queimativa de "A Rainha", segundo a qual o filme de Stephen Frears não passava de um telefilme.
Não entendo: e engolem essa coisa bruta, feia e provinciana que é "O Labirinto"? E "A Rainha", que entroniza a ambiguidade como poucas vezes se faz, que observa a complexidade da situação e da instituição monárquica - esse é o telefilme?
Francamente de novo.

3) "Borat" faz bem a nós espectadores. Faz com que nos sintamos melhor, porque mais inteligentes do que o resto do mundo. Isso reconforta, mas não resolve problema nenhum. Esse sim, com seu maniqueísmo (anti-EUA e anti-Cazaquistão simultaneamente?) e essa pretensão a big brother ou falso big brother me pareceu um telefilme. Com momentos inspirados, diga-se, bem engraçados. Eles fazem valer a pena que o filme seja visto.

Friday, February 23, 2007

FURY 2
INÁCIO ARAUJO

Não quero falar dos filmes. Eles estão aí. Estou siderado com a história da morte do menino no Rio, sua repercussão, a maneira como vem sendo tratada.

Vai aí o rascunho, coisas que me passaram pela cabeça.

Não sei se o cinema é só uma arte, se é uma arte. Mas tenho certeza de que não é apenas uma arte ou pelo menos de que, sendo, é aquela que nos ensina a olhar a trama das aparências, a entender o que está nas aparências que nosso hábito da profundidade oculta.

Quero dizer que: estamos prontos para linchar os responsáveis pela morte do menino no Rio de Janeiro. O Renato Janine em pessoa está.

No entanto, à parte a cena horrível que podemos reconstituir mentalmente, me pergunto se houve vontade de assassinato no caso ou apenas acaso de uma infelicidade atroz.

Ninguém planejou matar o menino, muito menos arrastando-o com o carro. Os caras podem ser desumanos ou inumanos ou o que se quiser. Mas não planejaram isso. A morte não estava nos planos.

No entanto, o que se vê, o que se lê é no sentido de encontrar um culpado a qualquer preço e entregá-lo ao ódio da população. Isso é pura barbárie.
Ou seja, estamos virando, via mídia, um país de linchadores. Ou já viramos?

Fritz Lang pensava nisso. Seus filmes tratam disso apaixonadamente: no que acontece quando a irracionalidade se arvora em lei e toma seu lugar.

(P.S.: Quando uns caras ricos em Brasília botaram fogo em um índio, foram quase inocentados. Apareceu um juiz, ou vários, para dizer que entre o ato de atear fogo e a morte do índio havia uma distância que desautorizava qualquer intencionalidade de morte. É ridículo: é como se eu dissesse que, quando atiro, não estou querendo matar alguém, a bala é que mata. Nosso problema de incapacidade de olhar as aparências parece infinito).

Wednesday, February 14, 2007

ANTONIA E EU
INÁCIO ARAUJO

Do que eu gosto em "Antônia":

1. A idéia de fazer um musical
2. A maneira como Tata Amaral explora a fotogenia da Vila Brasilândia
3. A volta da Tata a um tipo de enquadramento "selvagem", como no primeiro filme dela, e que havia sido abandonado em seguida.
4. Do elenco: as moças, em especial a Negra Li, cantam muito bem. O empresário é genial.
5. Da maneira como a paisagem e as personagens se integram
6. A fotografia acompanha bem esse lado selvagem, não faz bonitinho. É funcional.

O que me parece discutível:

1. Será que explorar o lado "positivo" da periferia (cultura, boa gente, luta contra adversidade etc.), e das mulheres da periferia em particular, é de fato eficaz? Tudo bem que mudaram os tempos, mas me lembro do Fritz Lang dizendo, quando lhe perguntaram se não gostava de mulheres, porque suas heroínas eram sempre perversas. E ele respondeu que sim, gostava muito, mas que mulheres boas não rendiam dramaticamente. Como a Tata é mulher está em posição de mostrar as mulheres sem complacência. Os homens é que deviam fazer mais média. O olhar, aqui, me parece complacente.

2. Dramaticamente, o filme não sobe. Isso tem um lado interessante (não se deixar levar por demagogias, como seria transformá-las em conjunto de sucesso e tal). Mas também me parece que pode ser reflexo de uma superficialidade (ver abaixo).


Do que eu não gosto:

1. A história "de sucesso" me parece excessivamente convencional. Parece com "2 Filhos de Francisco", de certa forma, embora seja muito mais interessante.

2. Do fato de, tendo encontrado ótimos enquadramentos, tanto diurnos como noturnos, explorar essas boas imagens à exaustão. Há coisas que me pareceram tremendamente bonitas, mas que, justamente por isso, acho que só deveriam entrar no começo e depois, talvez, no final. Em vez disso, há recorrências que desgastam o que foi encontrado e, no fim, deixam a sensação de que o bairro podia ser mais explorado.

3. O roteiro é muito ruim. Abandona os personagens quando lhe convém. Volta a eles quando lhe convém. Ficam muitas pontas soltas. Será que isso já era um ensaio para a série? (explorando essas histórias que ficaram pelo caminho). Não sei, porque não vi a série.

4. Me fica a impressão de que este é, apesar de todas as suas virtudes, um filme que quer muito agradar. Esse é o aspecto que mais me chama a atenção. Por que a necessidade de agradar? Porque a Tata está olhando o filme não como artista, não como autora, mas como um produto. Um artista tem compromisso, primeiro, consigo. O artesão, com o público, ou com o sistema. Eu torço pra burro para a Tata vir para o lado dos artistas, afinal, porque me parece que tem olho para isso e personalidade para isso. Mas no fim das contas tenho a impressão de que este filme abre mão da pessoalidade em favor de certa superficialidade. Fica no meio do caminho, embora seja um filme simpaticíssimo.

PS - Saiu na Folha uma entrevista com a Lucrécia Martel. Vale dar uma olhada.

Sunday, February 11, 2007

SINAIS DE VIDA
INÁCIO ARAUJO

Outra briga entre o Zanin e a jovem crítica!
Acho formidável. Desde os tempos Cinema Novo vs. Khouri não acontecia nada parecido (não conta o esmagamento do cinema marginal pelo establishment, claro) e tão interessante. Por isso roubo o título do filme do Herzog.

Para mim, a rigor, não faz a mínima diferença se o Nelson Pereira dos Santos se acha do cinema novo ou não. Como perguntou o Saraceni no debate em que estivemos presentes (e me tirando, por sinal, as palavras da boca, uma por uma): "Se "Vidas Secas" não é cinema novo, então o que é?”.

O que importa aqui: é que o Nelson, quando diz isso (aliás, toda a história começa porque o Zanin acha que ele não pode ter dito nada parecido), de certa forma coloca em questão toda nossa percepção sobre aqueles anos.

É crítico no sentido barthesiano: Criticar quer dizer pôr em crise.

Agora, vou discordar da minha querida amiga - e futura biógrafa - Rô Caetano. Ela acha que o catálogo devia ter artigos do Jean-Claude e do Ismail. Até podia ter. Mas por que devia? Não entendo. Parece que nada acontece se JC & Ismail não se manifestarem. E se tem artigo de um, tem que ter do outro, que nem Cosme e Damião. Isso atrapalha a vida deles, que correm o risco de entrar para a história como pensadores oficiais (não só oficiais como compulsórios) do cinema brasileiro.
O Puppo, por sinal, fez belas mostras, e acho que em todas teve o cuidado de pôr artigos deles (e meus também, diga-se: corremos o risco de virar o Trio Irakitan do século 21). São sempre interessantes, mas é saudável escutar outras vozes. Isso não significa excluí-los. Por sinal, há um debate com o Ismail e o Cacá Diegues no dia 13. Claro que vale a pena. Agora, caipira mesmo é ir ao CCBB e não visitar a exposição Anish Kapoor.

Friday, February 09, 2007

MORREU CANDEIAS
INÁCIO ARAUJO

Mais do que o cinema novo, foi o Candeias quem me mostrou que era possível fazer grande cinema no Brasil.
"A Margem" foi uma descoberta. "Meu Nome É Tonho" confirmou que havia ali um talento fora do comum.

Gosto menos da maior parte das coisas que ele fez depois. Ele sabia trabalhar com pouco dinheiro, acho que foi testando até onde isso seria possível. Passei a gostar de partes do que ele fazia. Mas sempre o talento estava lá.

Em "A Herança" ele me deu crédito como assistente de direção. De fato, o que eu fiz foi assistir a filmagem.

Ou melhor: teve o dia em que eu me pus a dizer a ele que ele podia ter dirigido uma sequência de tal modo, e não como fizera. Ele virou pra mim e disse: "Olha, falar é fácil, fazer é outra coisa".

Ele fazia tudo na filmagem. Câmera, fotografia, roteiro, direção. Trabalhava com os piores atores do mundo e conseguia, pelos movimentos de câmera, esconder defeitos e relevar qualidades. Isso o tornou um tanto auto-suficiente, é verdade.

Acho que sua carreira podia ter sido mais feliz do que foi. De quase todo mundo, no Brasil, pode-se dizer isso. Mas Candeias foi um desses caras que, a rigor, o establishment conspirou para que não filmasse. Poderia ter feito mais. O que fez, o que ficou, já é muito. Não havia mais lugar para um cara como ele no cinema de hoje.

Thursday, February 08, 2007

INCONFIDÊNCIAS MANEIRAS
INÁCIO ARAUJO

Desculpem o sumiço. Tem vários motivos, entre eles o começo do meu curso, os textos que devo entregar à Folha.

Mas, também, quando voltei de Tiradentes, mal pus os pés em São Paulo, mal tive de tempo de pensar no que aconteceu por lá, a polêmica já estava armada no blog do Zanin. Quem ainda não tiver visto, procure a resenha sobre a Mostra de Tiradentes que ele fez e os comentários.

Que mais poderiam querer os novos curadores, Cléber Eduardo e Eduardo Valente?

Enfim, um festival no Brasil é polêmico! Normalmente, nossos festivais são, hoje em dia, convescotes onde os convidados têm a chance de fazer relações pessoais, passar uns dias agradáveis etc. e tal. Então, me parece que a seleção de filmes operou uma formidável transformação nesse panorama. Habitualmente, os festivais têm um bando de filmes pseudo-comerciais e mais um ou, no máximo, dois miúras, que o establishment olha com certa condescendência (em geral, Bressane é nosso marginal oficial). A seleção foi equilibrada. Não colocou os filmes inusuais como os pedintes, tratou-os em igualdade de condições. Isso é novo e muito interessante (não discuto as virtudes e defeitos de cada filme, pois minha visão foi muito parcial: cheguei na quinta, a mostra acabou no sábado).

A mostra deu sequência à iniciativa do ano passado (que teve decorrência também em Brasília, com debates muito interessantes), colocando a crítica no centro das discussões (ou seja: para discutir e ser discutida). É dolorosa a incompreensão que no cinema se tem da crítica: ela é vista ou como algo a cooptar ou como um inimigo perigoso. Na dúvida, opta-se por ela ser um inimigo perigoso, o que é compreensível: ninguém quer ver reflexão sobre um cinema em que as coisas vivem de acomodações.

Me parece importante que os jovens críticos (eles não gostam de ser chamados assim, mas, sinto muito, isso existe) tenham participado de pleno direito do debate. Até aqui, eles tinham uma participação que parecia étnica: havia um debate, um exemplar era escalado. Aqui houve vários deles, na platéia e na cobertura. Me parece saudabilíssimo. Contracampo, Cinética, Paisà, Teorema, entre outros, me parecem lugares onde a reflexão mais séria sobre cinema se faz hoje em dia. É lá que está nosso futuro. Se é que existe futuro, claro.