Canto do Inácio

Thursday, May 31, 2007

UMA CONVERSA
INÁCIO ARAUJO

Quando eu falo (mal) deste ou daquele filme, o problema não é este ou aquele filme.

Alguns comentários dão a entender que a gente deve ser mais caseiro, aceitar melhor nossos filmes.

Ok, podemos fazê-lo. O problema é: de que adianta isso se o público não segue?

Se o público vai atrás do Daniel Filho, dois milhões por filme, a gente pode discutir: é por aí, não é, é TV, não é, etc.

Mas, se você faz o filme "comercial" e ninguém vai ver, que é a norma hoje em dia, então para que serve esse "comercial"?

Não estou aqui para encaveirar pessoas no mais muito simpáticas que fazem estes filmes. Não é bem isso. A questão é: para onde se encaminha nosso cinema "industrial"?

Essa é a conversa que precisamos ter.

Saturday, May 26, 2007

BELEZA ITALIANA
INÁCIO ARAUJO

Devo estar completamente enganado, mas para mim a decadência do cinema italiano coincide com o hábito de fazer filmes com homens feios e não com mulheres bonitas.

Ou, pior, encostando as mulheres bonitas. Acho que a última atriz memorável da Itália seja Ornella Muti.

Há também a Stefania Sandrelli, sex-symbol aos 60 anos!

Agora vejo no UOL a foto de uma atriz chamada Alice Taglione. Parece muito bonita. Melhor que não seja só isso. A Itália poderia voltar aos bons tempos. Seria grande.

Wednesday, May 23, 2007

BAIXIO DAS BESTAS
INÁCIO ARAUJO

Nem sei o que dizer do filme do Cláudio Assis.

Mas, para resumir, me parece que o cinema pernambucano tem sido o mais culto, o mais sólido do Brasil nos últimos tempos.

E este me parece o mais duro, mais cruel, mais conseqüente, mais infernal, mais belo dos filmes, brasileiros ou não, que entraram em cartaz ultimamente.

Me parece um cinema feito com total indignação. Mas não é uma indignação infantil, primitiva. Esse jeito de fixar a câmera, com calma, esperando que as ranhuras apareçam, me lembrou um pouco o Angelopoulos. Mas o conteúdo é outro, parece coisa do Peckinpah, é de uma descrença avassaladora no humano, mas também não é essa coisa dândi que a gente vê de vez em quando.

Dá a impressão de que aquela fossa que cavam interminavelmente ao longo do filme é para enterrar uma civilização que se deteriora, que é infernal, mas ainda preserva a beleza paradisíaca.

Esse último aspecto talvez seja o mais raro: você está no inferno, vendo o final de alguma coisa. Mas esse mesmo lugar possui uma beleza imanente, que de algum modo pode resgatá-lo.

Cada locação (em particular aquele cinema fantasma, onde os desejos se manifestam em pleno descontrole, cinema-bordel em que o sadomasoquismo do Cláudio Assis corre solto), cada personagem, cada quadro, cada diálogo têm um interesse, uma exatidão, uma conseqüência.

Me parece um filme profissional, vivíssimo, moderno. Enfim... Não agüento mais ver esses filmes de 1940.

Thursday, May 10, 2007

SOBRE O ARTIGO DO RATTON
INÁCIO ARAUJO

Pensamos, Diego e eu, em publicar o artigo do Helvécio Ratton porque seu filme tem sido muito comentado aqui.

É importante dizer que fazer restrições ao filme de alguém não significa hostilidade à pessoa. Discordo de quem diz que ele se auto-elogia. Acho que quem faz um filme tem seus motivos para fazê-lo como fez e, claro, tem que expô-los.

Também no que diz respeito ao "Proibido Proibir", peço que se entenda aquele primeiro post (ou foi o segundo? Enfim...) como um desabafo num momento de mau humor.

Eu não quis ofender as pessoas da comissão do BO, muito menos ser contra o edital do BO. Já fiz parte de júri e sei, para começar, o quanto é ingrato você ter que repartir suas opiniões, ser derrotado e ter que assumir a coisa, ser embromado eventualmente, etc.

Também não procuro fazer tábula rasa dos filmes brasileiros. Existem os melhores e os piores. Mas a variação é dentro de uma perspectiva industrial. Essa é que comanda. Isso é que eu tenho a impressão (já para não dizer a certeza) de que vai dar com os burros n´água. Não seria a primeira vez.

Wednesday, May 09, 2007

"BATISMO DE SANGUE" VAI ALÉM DA SALA ESCURA
HELVÉCIO RATTON

Meu filme "Batismo de sangue" vem provocando polêmica.

Para algumas pessoas que escrevem sobre cinema, o filme "peca pelo didatismo" ou mostra "cenas apelativas de violência". São afirmações superficiais, marcadas pelo preconceito contra um filme que não se prende a modismos nem segue a cartilha do vanguardismo de butique. Um filme consistente que dispensa malabarismo de câmera ou armadilhas de roteiro.

"Batismo de sangue", baseado no livro homônimo de Frei Betto, trata de acontecimentos verídicos, passados entre entre 1963 e 1974.

filme tem censura 14 anos está aberto a espectadores mais jovens, que desconhecem o que se passou naqueles anos. O letreiro que abre o filme e situa historicamente período da ditadura, assim como outras informações passadas de forma orgânica no desenrolar da narrativa, tem a função de contextualizar os acontecimentos. Não queremos dar aula de História para ninguém, mas mostrar o fundo onde se recortam os personagens e suas ações.

Isso é óbvio para quem assiste ao filme sem pedras na mão, mas a verdade é que algumas pessoas que escrevem sobre cinema têm profunda antipatia por filmes abertos ao público.

Para essas pessoas, os filmes devem ser cifrados, numa tal demonstração de inteligência e sofisticação que só os iniciados sejam capazes de decifrar.Confundem o simples, tão difícil de alcançar, com o simplório.

"Batismo de sangue" condensa uma extensa pesquisa histórica realizada em documentos oficiais, nos testemunhos de quem viveu os fatos narrados, em livros sobre o período, arquivos de fotos, noticiários de TV, jornais, revistas, filmes rodados na época e documentários. Foram camadas e camadas de informação que alimentaram o roteiro, a direção de arte, o figurino, a fotografia, o elenco. Tudo isso está no filme, mas sem exibicionismo. "Batismo de sangue" quer prender a atenção do público bem informado, capaz de perceber todos estes detalhes, e a dos jovens, para quem o filme se explica por si só, sem que necessitem informações de fora para compreendê-lo.

Quanto à tortura, não foi o filme que a inventou. A tortura aconteceu num grau de brutalidade e sadismo muito maior do que está mostrado.

O cinema dos dias de hoje avançou e muito os limites do realismo. Tomemos como exemplo os filmes de Tarantino, onde a violência atravessa toda a narrativa de forma injustificada e estúpida. Mas por que será que não taxam de apelativa a violência desses filmes? Porque esta violência é importada com o rótulo de "cult", de "fashion".

A violência do "Batismo de sangue" dói porque é eficiente enquanto cinema e porque aconteceu. Só que não havia sido revelada de forma contundente no cinema, e "Batismo de sangue" é o primeiro filme a fazer isso. Em "Pra frente Brasil", o protagonista é preso por engano e seus torturadores são mostrados como se fossem exceção, monstros, ao contrário do "Batismo de sangue", onde são a regra. A tortura a que foram submetidos os freis Fernando e Ivo durou um dia e uma noite, no filme dura poucos minutos. Frei Tito foi torturado durante três dias e três noites. As equipes de torturadores, funcionários do regime militar, revezavam-se e faziam hora extra. No filme, as torturas a que Frei Tito foi submetido aparecem na forma de rápidas visões.

Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho daqueles que estão vivos. Já estava mais do que na hora de abordar esses acontecimentos com verdade e audácia, como fizeram nossos vizinhos. Em um debate sobre o filme, disse um estudante que achava que esses fatos haviam acontecido no Chile e na Argentina, que para ele nossa ditadura tinha sido light. O comentário desse jovem deixa claro que nossos filmes sobre o período ficaram na ante-sala. "Batismo de sangue" desce ao inferno à procura de luz, para escancarar com suas imagens realistas a violência impune praticada pela ditadura militar contra seus desafetos.

"Batismo de sangue" extrapola os limites da sala escura do cinema e dialoga sobre nossa vida enquanto nação, nosso passado ainda presente, nossos mortos insepultos.

Um filme que corre riscos ao retratar personagens vivos e fatos acontecidos há pouco tempo. Um filme que após sair das salas de cinema continuará sendo discutido em outras salas por esse Brasil afora. Construído com delicadeza e contundência, "Batismo de sangue" emociona e faz pensar.

Friday, May 04, 2007

CINEMA TORTO, CINEMA MORTO
INÁCIO ARAUJO

Ok, no post anterior eu estava muito irritado. Tinha saído do filme e fiz uma espécie de desabafo. Mas não um linchamento, Nelson. Para começar, porque aqui eu me vejo conversando com amigos: não me sinto na obrigação de dar grandes explicações para cada coisa etc.

Segundo, porque este filme foi bastante elogiado e me parece que estamos ficando sem critério completamente. Repito: se desse tudo certo, este seria um filme dos anos 40, da representação clássica. Ninguém mais faz isso. Eu digo: no mundo! Não é possível que esse modo de fazer cinema vire padrão no Brasil agora.

Então, não é nada pessoal, longe disso. Muito longe: me parece que estamos com um problema de completa ausência de política para o cinema. O que existe é uma espécie de omissão de política. O Estado repassa a responsabilidade à “sociedade”. Ela fará os filmes que acha melhor. A “sociedade” repassa a responsabilidade ao Estado, de volta, pois o essencial da coisa fica nas costas da Petrobrás e outras “brás”. O começo dos nossos filmes é aquele desfile ridículo de patrocinadores.

O discurso atual no cinema brasileiro consiste em dizer que temos produção, mas não temos distribuição.

Ok. E vamos distribuir o quê? “Proibido Proibir”?

Os distribuidores pulam fora quando se vêem diante de um filme como o do Tonacci. Por quê? Eles dizem que isso é “anti-comercial”. Aí eles distribuem um “filme comercial”, não necessariamente ruim, e aí quantos espectadores dá? Nada. Então, desculpem, o gargalo não está na distribuição: existe um curto-circuito entre o que o público pretende ver e o que os filmes querem mostrar. Eu estava na porta do cinema, quando fui ver o “Proibido”. Havia um casal atrás de mim. Tive a sensação de que eles veriam qualquer coisa, um filme já começado, qualquer coisa, mas não um filme brasileiro. Então, não adianta eu chegar no jornal e dizer que é uma beleza. O leitor não vai atrás. Se eu disser isso, ele não ganha confiança no filme. Ele perde confiança em mim. Ele vai me achar desonesto, complacente, essas coisas. Se nós queremos falar de uma indústria de cinema, então vamos começar a tratar dessas coisas a sério.

No mesmo dia, vamos convir, a sessão do “Batismo de Sangue” do Ratton estava lotada. Eu acho o filme meio problemático, um filme “de grande tema”. Mas ele conseguiu se vincular a alguma coisa, conseguiu se tornar interessante para algumas pessoas. Então, mal ou bem, faz sentido. Vamos discutir o filme. O mesmo se diga do “Zuzu Angel”, do Sergio Rezende, que me parece até um filme melhor. Ou até do Daniel Filho, que todo mundo fala mal, mas que a cada filme bota 2 milhões de pessoa na sala. Agora, eu gosto mais do “Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, que me parece mais sincero, mais vivido, que pega muito bem a história do bairro judeu, tudo isso. E que as pessoas também quiseram ver. Não é um filme do outro mundo, tudo bem, mas é deste.

Então, se eu fosse da Ancine (o que está muito longe dos meus planos) me preocuparia em montar um departamento de marketing que subsidiaria os produtores, para saber o que pode interessar a tal público etc. e tal.

Se o que o público quer ver é isso, se do que precisamos é uma indústria, pau na máquina. Não há no que pensar. Mas para isso acontecer é preciso que esse filme 100% subsidiado desapareça, que corra algum risco. Enquanto isso não acontecer nossa verdadeira arte será a arte da captação.

De todo modo, eu vou ficar aqui no meu canto, enchendo um pouco saco. Lembrando que o mundo inteiro não escreve, não filma e não monta mais assim. Que os únicos momentos em que o cinema brasileiro teve importância foi quando, em vez de copiar o que se fazia, inventou. Quando foi vanguarda tecnológica, quando criou um modo de produção adaptado às condições do país.

Alguém disse aqui que eu faço tabula rasa do cinema brasileiro. Não é verdade. Acho que temos talentos que em condições favoráveis podem se desenvolver muito bem. O Beto Brant é um deles. O Lírio Ferreira também. Falo dos que estão com filmes em evidência, de que lembro agora. Há outros, claro. Agora, mesmo esses, o modo de produção não ajuda. Ele é perdulário.

Bom, parece que eu tomei um chá de Merten: não paro mais de escrever.

Passou o efeito.

Só para terminar, e acho que estou respondendo de novo a alguém, talvez ao Nelson: o problema não é ter pobre nos filmes. Se isso me incomodasse eu teria mudado não de país, mas de atividade. O problema é que a representação do pobre é de um convencionalismo absurdo. Ficou melhor assim?

Vou explicar. Estou cheio de ouvir que Hollywood é maniqueísta. Ok. Então eu vou ver o “Batismo de Sangue”: padre é bom, tira é mau (aceitemos que, pelo menos, tira é mau – mas é uma verdade tão óbvia que já se podia fazer algo diferente, não?). Aí vou ver o “Proibido Proibir” e o camelô é um anjo e o policial corrupto e assassino.

Tudo bem. E Hollywood é maniqueísta. Nós não. Não se fala mais nisso.

Wednesday, May 02, 2007

PROIBIDO PROIBIR
INÁCIO ARAUJO

Quando entra o letreiro, com aquelas imagens do Rio e a música sublime, no começo do Proibido Proibir, pensei, pronto, hoje á a redenção. Daí vieram as cenas na universidade, bem filmada, e a casa dos rapazes. Mas logo a coisa começa a degringolar. Primeiro aparece na casa aquela cópia da Lição de Anatomia. Que significa isso? Que o cara estuda medicina! Parece aqueles velhos filmes nacionais em que tem sempre um pôster do Deus e o Diabo no quarto do cara que quer ser cineasta.

Aí a coisa vai, e eu pensava. Bom, este seria um bom filme, afinal, se a gente estivesse em 1940. Era o velho Duran, aquela coisa quadrada... Mas afinal não é isso que se persegue? Mostrar que “nós também sabemos fazer”? Então vamos lá.

Com o tempo a coisa começa a ficar insuportável. Não sei quem inventou que o Duran é o melhor roteirista do Brasil. Pra o meu gosto tem uns 80 melhores. O filme inteiro é construído assim: alguma coisa acontece, então vem uma cena, invariavelmente parada, em que se explica (verbalmente, se possível), o que aconteceu e o que se sentiu na cena passada, e que todo mundo já sabia o que era, mesmo porque o filme é de 1940...

Aí vem aquele momento antológico: o Caio Blat e a menininha estão naquele chove e não molha há uma hora. Aí eles começam uma conversa ambígua. Aí a gente vê os dois se aproximando, como se fossem se beijar. Mas logo volta ao normal: era tudo imaginação! Era o que ela queria! Ou ele! Ou os dois! Eu queria que fosse real, para acabar aquela agonia. E nada.

Então os dois, o Caio Blat e a menina vão à favela. Vêem uma situação terrível. Aí, claro, vão para o bar discutir o que fazer. E não fazem nada. Talvez seja porque agir seja coisa do cinema imperialista.

Então o Caio Blat vai até o hospital visitar a paciente sua amiga, a ex-porta bandeira. Topa com o leito desocupado. Aí aparece numa espécie de lixão, chorando com direito a grua. Onde o Duran aprendeu isso? O que ele assiste? Novela de televisão? Filme é que não é. Nem a pau. Não é possível.

Eu aqui com meus botões: eu tenho que pedir desculpas ao Ratton. Tirando aquelas besteiras do Fleury, aquela torturalhada e tal, seu filme até que se agüenta.
E o outro rapaz, o Dhalia, fez um filme que pelo menos não mostrava pobre matando ou sendo morto.

A cada semana o patamar de exigência vai mais para o buraco.

Alguém sabe quem é o débil mental que premiou esse filme no Baixo Orçamento?

O que essa gente quer? Acabar com o cinema brasileiro? Acho até que não é culpa do Duran; Ele deve fazer melhor. Faz isso só pra agradar o comissariado, os patrocinadores. Não é possível.
Bem, aí vem o grand finale. Por sinal num lugar muito bonito, no caminho de Petrópolis (as locações são muito boas, em geral). O crioulo levou um balaço e quase morreu. Estão levando ele pra Brasília, pra não ser assassinado. É então que, finalmente, o Caio Blat e a mocinha se atracam. Cacete! Isso é hora? Os caras ficaram ensebando o filme inteiro, esticando o roteiro o quanto dava. E no único momento em que ninguém pensaria nisso, quando o amigo baleado está correndo perigo de vida, quando a prioridade única é pensar nele é que eles se beijam.

Não. Desculpem, mas não dá pra dizer que isso é bom. Desculpem, mas essa desculpa que as pessoas não gostam do filme brasileiro porque só vêem filme estrangeiro não se agüenta. A gente está fazendo bomba atrás de bomba. A “política do patrocínio” (isto é: ausência de política) vai acabar com a gente...