Canto do Inácio

Thursday, January 31, 2008

PARA O BELMONTE
INÁCIO ARAUJO

Belmonte, desculpe a demora em responder, mas estive fora, sem e-mail etc.

Quanto ao teu filme, não fiz uma crítica, dura ou não, a respeito. Apenas comentei um aspecto que me chamou a atenção. A semelhança não é com o filme (estilística), mas com a história. Não significa que se tenha feito um plágio conscientemente. Às vezes alguém ouve uma conversa em que se conta uma história, retém aquilo e não sabe de onde vem. No mais, nem acho uma história assim tão boa.

A questão não é essa. E sim: suponho que esse roteiro tenha passado por várias instâncias, por várias mãos, por vários olhos. Ninguém notou? Ninguém chamou a atenção para o fato? Ninguém lê livros ou vê filmes? E meus colegas críticos, não se deram conta também?

É uma falha, uma capengada – não que leve a fulminar um filme com um raio, mas é um problema para o filme, sim.

Mas se fosse isso não haveria problema. A Fogueira é um filme com 10 anos ou pouco mais do que isso, de um diretor famoso, que retoma um livro também recente e de enorme sucesso. Se ninguém nota que existe um decalque de parte daquela história, que dirá quando o decalcado for O Tesouro de Sierra Madre, digamos?

A gente precisa ter mais cuidado com isso.

Monday, January 28, 2008

HISTÓRIA E LINGUAGEM
INÁCIO ARAUJO

Amigos,

Voltando de férias, estou começando a fazer as inscrições para o meu curso CINEMA: HISTÓRIA E LINGUAGEM.

Quem tiver algum amigo ou parente que esteja interessado, é a hora de dar um alô.

Os endereços para informação:

http://www.cursoinacioaraujo.blogspot.com/

e-mails para: cinegrafia@uol.com.br

telefone: 3825.8141

Perdão pela publicidade e obrigado.

Thursday, January 24, 2008

"NÁUFRAGOS" TRAZ O CINEMA SUBLEVADO DE MOULLET
INÁCIO ARAUJO


Vez por outra é obrigatório recomendar um filme que nunca se viu. É o caso de "Os Náufragos da D17", de Luc Moullet.

Para começar, os filmes de Luc Moullet nunca passam no Brasil, de maneira que não só o filme, mas todo o trabalho de seu realizador é uma raridade.

Depois, segundo a sinopse da TV5, estamos em uma guerra no Golfo (o filme é de 2002), numa região desértica da França, onde dois amigos ficam com o carro encalhado.

A partir daí se dá uma série de encontros com personagens não inusitados em si, mas cuja convivência num mesmo filme os torna especialmente interessantes e raros: um astrofísico, uma equipe de cinema (rodando um faroeste), militares, geólogos etc.

Do que podemos esperar um show de anarquismo cinematográfico, já que Moullet, desde seus tempos de crítico do "Cahiers du Cinéma", nos anos 60, viu o cinema como exercício de extrema liberdade.

Foi isso que praticou em um de seus primeiros filmes, "Les Contrebandières" (As Contrabandistas, 1967), embora ali a bagunça vencesse o cinema claramente. Nos anos 80, chegaram até nós alguns documentários seus, entre eles o excepcional "Barres" (Barras, 1984), sobre as pessoas que pulam as catracas do metrô de Paris e os diversos métodos que criam para burlar a fiscalização.

É algo desse estofo que se pode esperar de "Os Náufragos da D17", pois é improvável que Moullet tenha abandonado nos últimos anos seu espírito de insurreição contra as instituições em geral e as cinematográficas em particular.

O que esperar? O melhor ou um filme deficiente? De Moullet pode vir tudo. Mas o cinema é também essa expectativa (será bom ou não?), e não para quem prefere a segurança do "fast food".

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 17 de agosto de 2003)

Monday, January 21, 2008

UM GODARD APOCALÍPTICO
INÁCIO ARAUJO


Nos anos 60, parecia fazer sentido que "Week-end" fosse chamado de "Week-end à Francesa". Afinal, aqui ainda não tínhamos entrado na era do turismo de massa e a idéia de um filme em que se passa a maior parte do tempo em congestionamentos de estrada parecia mais do que tudo um exotismo.

Bem, ao menos para nós a idéia hoje soa bastante familiar - até demais. Godard encara o tema com, até onde vai a memória, certo cinismo.

A ver, os letreiros finais. "Fim do filme", diz o primeiro. "Fim do cinema", diz o segundo. Talvez seja um tanto apocalíptico, mas a civilização do automóvel e, por conseguinte, do lazer de fim de semana variado, se não foi o fim do cinema, foi, em todo caso, o fim de uma idéia do cinema. Depois veio o "blockbuster".

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 31 de março de 2005)

Tuesday, January 15, 2008

"FOR EVER MOZART" ATACA O PRESENTE
INÁCIO ARAUJO


Godard não ajeita o filme a nossos desejos. Na tela, o mundo não apresenta a coerência sequencial, essa espécie de conforto que a linearidade propicia: um ator representa um personagem, uma ação leva a uma reação etc.

Nada disso. Em "For Ever Mozart", estamos ora numa agência de empregos, ora numa guerra (na Bósnia), ora numa livraria ou num set de filmagem.

Por onde quer que acompanhemos, o mundo nos escapa, não se deixa apreender apenas pelo fato de ser exibido. Mas é, ao mesmo tempo, um mundo admiravelmente concreto e atual. Nesse sentido, Godard é o cineasta europeu mais próximo dos americanos: procura captar o instante, a coisa viva, imediata.

É claro que a proximidade com os americanos fica por aí. Godard trabalha por associação de imagens e de sons. A Europa de hoje evoca a dos anos 30. E outras. As guerras civis contemporâneas remetem à Revolução Francesa e a seu historiador, Michelet. E tudo remete ao cinema, naturalmente.

De permeio, o espectador topará com algumas formulações bem francesas. "O que é a filosofia?", pergunta um. "A filosofia é alguma coisa entre o quase nada e um não sei quê", responde outro.

Não é muito esclarecedor. Mas nunca ninguém disse que Godard estava aí para esclarecer. Em seus filmes as questões ricocheteiam e voltam como batata quente para as mãos e mentes do espectador.

E assim, o cineasta continua a praticar seu cinema da dúvida sistemática, onde perguntar é sempre mais importante do que responder. O filme vai colando uns aos outros elementos distantes: Mozart, um artigo no "Monde", Fernando Pessoa. Estamos num campo de filmagem que de repente se transforma em campo de batalha. Ou vice-versa. Etc.

Nesse sentido, o primeiro comentário a fazer é sobre o último Godard. Desde os anos 80, seus trabalhos mais marcantes são aqueles em que postulou com mais clareza a derrota pessoal.

O outrora cineasta bem-amado dos anos 60, que se mostra como o cineasta-decadência de "Carmen", ou como o amargo solitário de "JLG por JLG", é, atualmente, seu melhor personagem. Até porque o autor/ator instaurava ali uma unidade de discurso de que talvez se ressintam outros filmes, como "For Ever Mozart".

No geral, é como se o tempo de Godard tivesse passado e ele soubesse disso. Nem por isso ele dá o braço a torcer. Se o homem contemporâneo não tem paciência, nem tempo para se aproximar das coisas (ou do cinema), Godard faz do tempo o tema privilegiado de "For Ever Mozart": o ritmo de vida de hoje lhe desagrada francamente, e ele não faz qualquer segredo a esse respeito.

Pior: os referenciais básicos da civilização também tendem a ser perdidos. Danton a gente ainda sabe quem é (um restaurante em São Paulo, em todo caso). Mas Musset, Michelet, Marivaux, Fernando Pessoa, nem isso.

Também nesse capítulo Godard não faz nenhuma concessão: joga nomes e pensamentos, discute-os, como se fossem matéria corrente nas rodas de pagode.

É verdade que, em troca, o que ele tem recebido é, não raro, a indiferença do público. Todos que, nos anos 60, discutiam à exaustão o significado de seus filmes parecem ter perdido a paciência (e o tempo) para isso. Os mais jovens olham-no como a um dinossauro.

Talvez seja absurdo dizer isso, mas a diferença entre o Godard dos 60 e o dos 90 - além do tempo - poderia bem ser Anna Karina, sua ex-atriz, ex-musa e ex-mulher. No fundo, pouca coisa mudou em Godard de lá para cá, a não ser a disposição. Se antes se abria para as coisas com humor e satisfação, hoje parece um tanto gélido (assim como suas paisagens).

Mas, nessa geleira, não há espectador que não seja capaz de notar, por exemplo, o plano em que junta interior e exterior; no interior, o que se vê são pessoas de costas, sombras, quase borrões na tela; no exterior, ao contrário, há luz, vida, cor, contraste. Uma beleza ao mesmo tempo física e sobre-humana, como certa vez notou o poeta Louis Aragon sobre "Pierrot Le Fou". Nesses momentos reencontra-se Godard. E esses momentos bastam.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 04 de abril de 1998)

Saturday, January 12, 2008

"A CORRIDA DO SÉCULO" REINVENTA A TORTA NA CARA
INÁCIO ARAUJO

Talvez o cinema não tenha conhecido momento mais sofisticado, mais maduro, do que os meados dos anos 60.

Pois foi justamente aí que Blake Edwards tentou e soube reabilitar um gênero cujo apogeu se deu no cinema mudo: a comédia pastelão.

"A Corrida do Século" é esse filme em que a sucessão de peripécias - em torno de uma corrida tipo volta ao mundo - nos mais diferentes lugares corresponde a uma sucessão de gags e recriações de clichês.

Chovem tortas na cara de Jack Lemmon, Peter Falk, Natalie Wood e Tony Curtis. Mas é como se pela primeira vez alguém, no cinema, jogasse uma torta na cara do outro.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de julho de 2000)

Sunday, January 06, 2008

RELAXE E RIA COM LEWIS
INÁCIO ARAUJO

Não existe comediante mais subestimado na história do cinema do que Jerry Lewis. Por algum motivo, temos vergonha do riso, ou, pelo menos, de desfrutar de um riso que não tenha motivo profundo (ao menos aparente).

Entre seus filmes não existe nenhum mais subestimado do que "As Loucuras de Jerry Lewis".

O título brasileiro, vazio, indica que os distribuidores não sabiam o que fazer com o filme, nem com o título original ("Smorgasbord").

Na verdade não há mesmo muito a fazer: o nonsense nega-se, por definição, a dar sentido às coisas. Nesse caso, mais vale relaxar e deixar-se levar por essas gags onde desfila um mundo insano.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 26 de abril de 1999)