INÁCIO ARAUJO

Primeiro, peço desculpas pelo sumiço, que tentarei explicar em breve.
De tanto que ouvi, fui ver "Batman - O Cavaleiro das Trevas" com alguma esperança. Saí terrivelmente decepcionado.
Em primeiro lugar, não existe mais Gotham City, substituída por uma grande cidade americana. A morada do Batman agora é numa cobertura, de maneira que sua silhueta vista contra a cidade faz perguntar se ali seria Nova York, sendo que um prédio ao fundo lembra bem uma das torres gêmeas.
Com isso, o filme traz uma cidade real para heróis e anti-heróis alegóricos. Por quê? Não sei dizer muito bem qual a vantagem, mas o filme logo se estabelece dentro de uma linha hierárquica muito clara. Existe o prefeito, o procurador, a juíza, o futuro comissário de polícia e o Batman. Depois vem a população.
É nesse mundo, em que a Máfia tem um lugar muito específico, que vai aparecer o Coringa como elemento que, dizendo-se anarquista, prega o caos, via o terror. O terror será subsidiariamente, sua maneira de apostar que a natureza humana é insustentável (o que tornaria inúteis os heróis).
Essa fabulação tem um fim político preciso, i. é: combater o mal absoluto tem um custo, que consiste em viver nas sombras. Esse é o preço pago por Batman, mas, se formos pensar bem, há um outro personagem atual que pode reivindicar tal papel, e atende por George W.
Ao novo "Batman" me parece que falta um mínimo de elegância. Começa como um policial qualquer, bem urbano, retirando todo encanto de fabulário e alegoria que um dia possa ter tido (nas mãos de Tim Burton, sobretudo, mas até na do diretor seguinte a coisa corria mais agradavelmente). Impõe um tom gratuitamente crispado, fazendo do Coringa uma espécie de serial killer psicopático, ou seja, alguém que, por fugir ao normal, vale tudo para combatê-lo.
E todo o tempo o espectador pode se dizer: vale tudo para destruí-lo. Por todos os motivos essa é uma prioridade zero. Um cara assim não se prende, se mata etc.
Por fim, voltando ao princípio, e passando por todas as piruetas do roteiro para chegar ao atrapalhado final, algo permanece intocado: durante todo o filme torci para que algo viesse a desequilibrar a escala de poder. Nada. Nenhum traidor, exceto guardas ou coisas assim.
O poder na não-Gotham City de Christopher Nolan é irretocável. A destruição de metade do rosto do promotor não é senão uma dessas piruetas, não tem efeito prático nenhum. Toda a dúvida moral criada pelo Coringa cai em cima das pessoas comuns. Que elas o neguem no final, in extremis, não tem relevância maior: o importante, a afirmação de que o mundo é mesmo uma coisa sórdida, e que o trabalho dos verdadeiros heróis é necessariamente um trabalho sujo, está lá.
O caráter de filme policial realista enxertado de seres alegóricos é essencial para chegar a esse resultado.
Dizem que este é o Batman de Frank Miller (e o Coringa também). Talvez seja isso mais que tudo. Aquele "Sin City" já era isso e não engoli de jeito nenhum. É um investimento no pior, na baixeza, na podridão.
Resumindo minha impressão, o novo Batman é chato, ruidoso e reacionário.