"Eles Vivem" contém a herança do filme "B"
INÁCIO ARAUJO
É um engano supor que os filmes "B" sejam filmes ruins. Eles eram os filmes baratos que compunham o programa duplo dos cinemas, desde que a Depressão dos anos 30 obrigou os donos de salas a oferecer dois filmes pelo preço de um para atrair público.
Eles podiam ser insuportáveis, também podiam ser muito bons. Não é isso que os torna tão particulares, e sim o fato de terem criado um modo de produção absolutamente original, em que se aproveitavam roupas, cenários e até cenas de outros filmes.
O "B" era rodado sempre em poucos dias. Por isso, os diretores davam tratos à bola para filmar de maneira econômica. Daí o "B" ser o domínio por excelência dos planos sequência (toda a cena rodada sem cortes, ou quase).
Os modernos fizeram o mesmo. Rossellini e Orson Welles foram mestres do plano sequência. Nesse sentido, o "B" de certo modo já contém o cinema moderno. Mas, lembra Alcino Leite Neto, não só: o "B" também é herdeiro dessa sofisticação única no uso da câmera que é o grande segredo do cinema mudo: falava-se com a câmera.
Nessa hipótese, o "B" ao mesmo tempo detém o passado e o futuro. Mas não é isso o essencial, e sim que: antes do sonoro, o cinema era mais livre (não sofria dos constrangimentos industriais impostos pelo som), e o moderno começa quando o cinema se liberta dessa camisa-de-força.
Ou seja, o essencial do "B" é a liberdade (que hoje, pós-modernamente, está novamente em xeque). Essa liberdade que seus herdeiros, como John Carpenter, sabem cultivar. E talvez nenhum filme de Carpenter seja melhor exemplo disso do que "Eles Vivem".
É uma ficção científica (ou terror, ou ambos) feita com migalhas, em que aliens se misturam aos terráqueos de tal modo que ao final não sabemos quem é quem. Carpenter substitui a grande produção por invenção. Faz do precário uma virtude. Tira ouro de pedra. Que mais pedir?
INÁCIO ARAUJO
É um engano supor que os filmes "B" sejam filmes ruins. Eles eram os filmes baratos que compunham o programa duplo dos cinemas, desde que a Depressão dos anos 30 obrigou os donos de salas a oferecer dois filmes pelo preço de um para atrair público.
Eles podiam ser insuportáveis, também podiam ser muito bons. Não é isso que os torna tão particulares, e sim o fato de terem criado um modo de produção absolutamente original, em que se aproveitavam roupas, cenários e até cenas de outros filmes.
O "B" era rodado sempre em poucos dias. Por isso, os diretores davam tratos à bola para filmar de maneira econômica. Daí o "B" ser o domínio por excelência dos planos sequência (toda a cena rodada sem cortes, ou quase).
Os modernos fizeram o mesmo. Rossellini e Orson Welles foram mestres do plano sequência. Nesse sentido, o "B" de certo modo já contém o cinema moderno. Mas, lembra Alcino Leite Neto, não só: o "B" também é herdeiro dessa sofisticação única no uso da câmera que é o grande segredo do cinema mudo: falava-se com a câmera.
Nessa hipótese, o "B" ao mesmo tempo detém o passado e o futuro. Mas não é isso o essencial, e sim que: antes do sonoro, o cinema era mais livre (não sofria dos constrangimentos industriais impostos pelo som), e o moderno começa quando o cinema se liberta dessa camisa-de-força.
Ou seja, o essencial do "B" é a liberdade (que hoje, pós-modernamente, está novamente em xeque). Essa liberdade que seus herdeiros, como John Carpenter, sabem cultivar. E talvez nenhum filme de Carpenter seja melhor exemplo disso do que "Eles Vivem".
É uma ficção científica (ou terror, ou ambos) feita com migalhas, em que aliens se misturam aos terráqueos de tal modo que ao final não sabemos quem é quem. Carpenter substitui a grande produção por invenção. Faz do precário uma virtude. Tira ouro de pedra. Que mais pedir?
2 Comments:
Mestre (os dois).
By Guilherme Martins, at 1:27 AM
Às vezes você pode não concordar com as idéias do Inácio (bem, isso ocorre direto e é normal), mas é inegável o talento com que escreve num espaço insignificante. O melhor de tudo: sua visão do filme nunca é confusa ou superficial. Ah, ele nunca parece "uma lider de torcida" escrevendo sobre os filmes que gosta e sempre desce o cacete, nos filmes que considera ruim, com a faca afiada na medida certa. Mestre, não?
Sempre traz o filme para os nossos dias, mas suas comparações não são infantis, há ali uma observação, uma crônica, sempre pertinente.
Inácio com sua coluna é o mesmo que o Carpenter rodando episódios pra TV.
By Diego, at 3:55 AM
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