Canto do Inácio

Saturday, December 19, 2009

INVENTIVIDADE DE FLEISCHER SURGE COM FORÇA EM POLICIAL
INÁCIO ARAUJO

No momento em que uma retrospectiva na Cinemateca Francesa está levando a uma reavaliação da obra de Richard Fleischer, o lançamento, no Brasil, de "O Homem que Odiava as Mulheres" certamente nos ajudará a melhor situar o cineasta, morto em março deste ano.

O filme gira em torno de um assassino de mulheres que desconcerta a polícia de Boston - até é criado um "birô do estrangulador". Mas as mulheres continuam a morrer. Quem são elas? Aí está o problema: não há uma característica principal.

O roteiro de Edward Anhalt segue as pegadas do clássico "M, o Vampiro de Dusseldorf", de Fritz Lang. Inicialmente, os crimes (os primeiros). Depois, a ação da polícia, tentando descobrir, em cada tarado, o responsável. O mistério engrossa. Aí tomamos contato - nós, a polícia só bem depois- com o estrangulador, Tony Curtis.

A mise-en-scène de Fleischer se faz marcar pelo perfeito controle da narrativa e, sobretudo, pelo uso originalíssimo da técnica do "split-screen", que divide a tela em pelo menos duas ações simultâneas. Como o filme é rodado em tela larga, a simultaneidade das ações cria momentos interessantes.

Mas o melhor é o uso da dupla dimensão, isto é: vemos ao mesmo tempo uma imagem aberta e outra fechada do mesmo acontecimento: um plano geral e um primeiro plano. Quase sempre o primeiro plano é lançado, primeiro, sobre um objeto sem interesse (digamos, uma cadeira). Em seguida, o personagem senta-se nessa cadeira, e o que era desinteressante ganha vida.

O procedimento tem duas conseqüências. Uma, da ordem da linguagem. É como se Fleischer abrisse a linguagem diante de nós e a expusesse. Um pouco como se o filme fosse uma mesa de operação lingüística. Outra, de ordem narrativa, pois com isso a tensão e o mistério que cercam os personagens e sua evolução no filme transferem-se para a tela e nos atingem diretamente -não mais como história, mas como imagem.

É preciso admitir que esse procedimento - a divisão de telas - torna um tanto áspera a visão do filme numa TV comum, pois além da tela larga (com a qual se perdem as faixas acima e abaixo do quadro de TV) a divisão da tela diminui aquilo que vemos. Mas esse problema não diminui as virtudes deste filme belíssimo - antes pelo contrário, é prova de suas virtudes.

(texto publicado na Folha de S. Paulo no dia 16 de julho de 2006)

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