INÁCIO ARAUJO
Não dá para acreditar em nada de "A Sombra da Forca". Um pai alcoólatra, o escritor David Graham (Michael Redgrave), que chega em Londres, vindo do Canadá, 24 horas antes da execução do filho. A estranha recepção que lhe dão os Stanford (rica família do melhor amigo do rapaz). O advogado ambíguo, que nunca se sabe se está defendendo ou atacando o seu constituinte. A busca desesperada do pai por evidências para livrar o filho da pena capital.
Não dá para acreditar em nada, digo, até percebermos que nada aqui aspira à realidade. A interpretação dos atores é crispada (e por vezes se tem a impressão de que Joseph Losey escolheu os piores ou menos adequados atores da Inglaterra).
As peripécias policiais baseiam-se menos em provas e achados espetaculares do que no poder de convicção dos diversos envolvidos. Mesmo a luz de Freddie Francis está mais próxima de um filme de terror do que de um thriller policial.
Se não aspira à realidade, "A Sombra da Forca" propõe-se, então, como um pesadelo e é lá que vive e faz sentido. E só assim pode ser compreendido, pois Losey dá-se ao luxo de trabalhar uma intriga que não fecha, não esgota todos os dados que lança mas deixa-os um tanto soltos, como fiapos de memória que cabe ao espectador, em grande parte, recolher.
Assim, esse estranho filme nos propõe uma espécie de "whodunit" (quem é o culpado?), pois sabemos que o verdadeiro culpado está entre as pessoas em cena, mas não é bem isso. Propõe uma espécie de mergulho na psicologia dos personagens.
Mas também não é bem isso. Há momentos em que tudo parece nos escapar, exceto a angústia de David, de quem também as coisas escapam à medida em que se aproxima o momento da execução.
Nos fazer participar intensamente desse pesadelo em que David Graham joga toda sua vida não é o menor dos méritos de "A Sombra da Forca". É uma pena: apesar da boa qualidade das imagens, o DVD chega praticamente sem nenhum extra.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 23 de agosto de 2009)
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