Canto do Inácio

Monday, July 06, 2009

FILME LIMITA RETRATO DA TORTURA
INÁCIO ARAUJO


São três as fontes de imagem de "Procedimento Operacional Padrão": as fotos que registram cenas de tortura e humilhação de prisioneiros em Abu Ghraib, Iraque, os depoimentos dos envolvidos com essas fotos (torturadores e assemelhados, chefes imediatos etc.) e reconstituições de momentos específicos.

A fonte decisiva é a primeira, já que as fotos, ao se tornarem mundialmente conhecidas, colocaram em questão os procedimentos do exército norte-americano e de seus soldados.

A idéia da suposta superioridade moral da ação para caçar terroristas e depor um governo tido como ilegítimo ficou tremendamente enfraquecida.

A atitude dos oficiais seguiu um padrão, digamos, universal: culpar os pequenos (soldados, cabos, sargentos) e isentar o oficialato e o governo.

Mais do que revelar os maus-tratos, as fotos dão conta da banalidade que envolve o tratamento do tema. Algo tanto mais assustador porque é o povo campeão da liberdade que produziu tais aberrações (o que permite supor que não seja diferente em outras prisões, como Guantánamo).

A segunda fonte de imagens é o depoimento dos envolvidos.Aquela moça, por exemplo, que se celebrizou por sorrir e erguer o polegar ao constatar a suprema humilhação de um prisioneiro. Na tela, o que se vê é outra coisa. Não se trata de alguém, em princípio, repulsivo. Equivocada, certamente.

Amplitude

A soma dos depoimentos é muito comprometedora e, com efeito, deveria ajudar os EUA a repensar suas políticas político-carcerárias que, bem mais do que suas vítimas, tende a desmoralizar a América (ou então proibir câmeras de foto e vídeo nesses locais).

A terceira fonte de imagens, a esquecer, são as reconstituições verídico-estetizantes, que funcionam como vinhetas para suavizar e ritmar a narrativa.É importante distinguir os fatos da representação. Os fatos, impressos nas fotos, são inquestionáveis e infames. Revelá-los e confrontá-los com depoimentos de pessoas próximas, de um modo ou de outro, a eles é por si um mérito do filme.

Não é menos verdade, no entanto, que Morris não consegue mostrar a tortura como política de governo, nem como pensamento articulado a outros aspectos da vida americana recente. Talvez não tenha se interessado por isso.

Ao tratar os personagens, não lhes deu a amplitude que um, digamos, Eduardo Coutinho dá aos entrevistados. É provável que isso não lhe tivesse ocorrido. Fez um retrato estritamente funcional, destinado a demonstrar o que tinha em mente sobre o episódio e as fotos. Ao não desenvolver hipóteses mais arrojadas do cinema recente, como as mencionadas acima, Morris pode ter levado adiante um trabalho capaz de repercutir junto ao público americano. Mas, para tanto, ele paga o preço de limitar seu trabalho a ocupar-se, basicamente, dos aspectos morais e jurídicos de um caso que é, possivelmente, a maior abominação conhecida do século 21.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de outubro de 2008)

1 Comments:

  • Diego,continuando o assunto há um ótimo texto do Inacio sobre "Pecados de Guerra".

    By Blogger jose, at 8:20 AM  

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