SPIKE LEE SUPERA EXCESSO DE TEMAS
INÁCIO ARAUJO
Há filmes que se perdem por falta do que dizer. "Milagre em Santa Anna" corre o risco de se perder por excesso do que dizer. No início temos uma ação policial: um pacato funcionário dos correios mata friamente um cliente que aparece à sua frente.
Quem é esse homem? Por que fez isso? Tudo que se descobre é uma cabeça de estátua italiana, perdida desde a explosão de uma ponte, durante a Segunda Guerra Mundial.
Somos então projetados, em flashback, de 1983 para 1944: Segunda Guerra, avanço dos Aliados na Itália, um batalhão de soldados negros na luta por Santa Anna, cidade da Toscana.
É então que as várias linhas que desenvolve Spike Lee no roteiro de James McBride começam a se desenvolver e, não raro, se acotovelar no filme.
Há o racismo dos oficiais, para começar (os soldados atravessam um rio, o que era sua missão; o oficial não acredita neles apenas por serem negros). Depois, há o conhecimento que passamos a desenvolver do grupo: o honesto Stamps, o sargento disposto a acreditar que o racismo começa a acabar; o sensual Cummings, que não leva fé nessa história de integração; o simplório Train e o porto-riquenho Negron. Negron é quem, quase 40 anos depois, será assassino.
Nessa ação, Train encontra um menino traumatizado pelas ações militares e passa a protegê-lo. Levam-no à cidade, onde vive a família da bela Renata. Lá haverá alemães, de um lado, e partisans, de outro. Entre os alemães, os que não acreditam mais na luta e os que desertam.
Entre os partisans, um traidor. Ufa! O filme mal começou e já temos tudo isso - resumindo bem. O "plot" policial desaparece (só retornará no final). O filme permanece na guerra, e na guerra Spike cria algumas sequências notáveis. Uma delas: o carro de som com a alemã que tenta fazer propaganda e seduzir os soldados negros, de maneira a que desertem.
No meio de uma dolorosa travessia de um rio, isso faz um efeito, e Spike obtém uma atmosfera estranha, em que se encontram som e imagem, o interior do carro de som e o campo de batalha, os soldados americanos e os alemães.
Excessos
Mais adiante outro momento forte. Depois que o desinibido Cummings transa com Renata, a tensão entre Cummings e Stamps (que também a desejava) explode, feroz.
Há momentos menos felizes, sobretudo quando Spike calca a mão na violência de certas cenas. O único equívoco imperdoável do filme, no entanto, talvez seja o fato de o roteiro ter sido escrito pelo autor do romance, o que resulta num excesso de questões. Ainda assim, esse tipo de problema é preferível à insuficiência de ideias quase crônica da maior parte dos filmes em cartaz atualmente.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 30 de abril de 2009)
2 Comments:
A sequência com a alemã ao rádio é fenomenal; muito boa a análise do IA, sobre um filme (que também é) de guerra bastante singular. Mas que pode parecer desfocado ás vezes, pelos excessos citados.
Valeu Diego!
By Andre de P.Eduardo, at 7:49 PM
Diego, me lembre de recomendar vc a uma medalha por reunir alguns textos preciosos neste blog. Os de 94 e 95 me fazem pensar quão triste tem sido a drástica redução do espaço que os jornais dão para a reflexão, exceto tvz nos cadernos de domingo. Por sorte surgiu a Internet para compensar!
Abs
Marcelo Lyra
By Unknown, at 4:54 PM
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