Canto do Inácio

Friday, September 08, 2006

O gosto de Hellman pelos personagens silenciosos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O que se espera de um faroeste não é bem o que "O Tiro Certo" nos dá. Talvez seja melhor, porque é mais surpreendente.
Lá está, de início, um caçador de recompensas, Warren Oates, atualmente com a cabeça a prêmio. Em sua vida aparecerá, portanto, outro caçador de recompensas, mais jovem, Jack Nicholson, e disposto a capturá-lo.
Tudo o que o filme é hoje se deve certamente a Jack Nicholson, então um jovem ator, vindo da escola Roger Corman de cinema econômico. Também de lá havia saído Monte Hellman, o diretor. Eles fizeram dois faroestes ao mesmo tempo, este e "A Vingança de um Pistoleiro", um pouco menos interessante.
De um faroeste espera-se, habitualmente, ação. De "O Tiro Certo" o que se obtém, a maior parte do tempo, é reflexão: dois homens silenciosos (aos quais virá se juntar Millie Perkins) percorrendo um caminho e traçando sua estratégia de combate.
Dessa substituição da ação pela reflexão, da conseqüente inflexão do tempo em detrimento da trajetória (ou antes, o tempo e a trajetória têm idêntica importância), não decorre uma perda de tensão pelo filme, mas o acréscimo de uma tensão que vem do filme, isto é, não do roteiro, mas da matéria do filme que se desenrola diante de nós (e cuja importância ficará mais clara no final da projeção).
O gosto de Monte Hellman por personagens silenciosos, ensimesmados, que não escondem nada, mas simplesmente são assim, ficou conhecido por nós em "Corrida sem Fim", que o próprio Telecine passou há alguns anos, onde dois amigos vivem de tirar rachas de estrada.
Como lá, em "O Tiro Certo" também chegamos ao fim da projeção nos perguntando o que aconteceu e por quê, mas com a certeza de termos passado por uma aventura em que a reflexão, os sentidos, a emoção deixam-se levar -quando se deixam- pelo pensamento extremamente original de Monte Hellman, um dos raros vanguardistas do cinema americano.

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