"VIDA DE MENINA" NOS REENSINA A VER
INÁCIO ARAUJO
Há dias na televisão Nelson Brissac Peixoto comentava o fato de que as crianças desconhecem a geografia de suas cidades. Limitam-se a deslocar-se de um ponto a outro no carro dos pais.
A protagonista de "Vida de Menina", ao contrário, conhece sua cidade como a palma da mão. Concedamos: está no interior de Minas, num lugar onde o ouro jorrava no passado.
O que é importante: ela tira desse pequeno universo todas as conseqüências possíveis. O roubo de uma galinha é quase uma questão de vida ou morte. A localização de um túmulo equivale à de uma alma. Os loucos de lá, um encantamento.
A jovem Helena está na situação oposta à dos garotos de Brissac: ela parece capaz de explorar e tirar proveito existencial de cada metro quadrado ao seu redor. Seu espaço é físico, enquanto o dos meninos da cidade tornou-se cada vez mais abstrato. Ele é experimentado numa agenda telefônica, no computador, na TV.
É possível que o encanto do filme de Helena Solberg venha, em parte, daí: do encontro que nos proporciona com as coisas que estão ainda em estado de coisas, isto é, de significantes ainda não nomeados, objetos captados em estado bruto.
Talvez seja esta uma das funções mais pertinentes do cinema: nos reensinar a ver. Nos forçar a ver as coisas como coisas, tirando camadas de cultura ou preconceitos que imperceptivelmente se depositam.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 30 de março de 2008)
INÁCIO ARAUJO
Há dias na televisão Nelson Brissac Peixoto comentava o fato de que as crianças desconhecem a geografia de suas cidades. Limitam-se a deslocar-se de um ponto a outro no carro dos pais.
A protagonista de "Vida de Menina", ao contrário, conhece sua cidade como a palma da mão. Concedamos: está no interior de Minas, num lugar onde o ouro jorrava no passado.
O que é importante: ela tira desse pequeno universo todas as conseqüências possíveis. O roubo de uma galinha é quase uma questão de vida ou morte. A localização de um túmulo equivale à de uma alma. Os loucos de lá, um encantamento.
A jovem Helena está na situação oposta à dos garotos de Brissac: ela parece capaz de explorar e tirar proveito existencial de cada metro quadrado ao seu redor. Seu espaço é físico, enquanto o dos meninos da cidade tornou-se cada vez mais abstrato. Ele é experimentado numa agenda telefônica, no computador, na TV.
É possível que o encanto do filme de Helena Solberg venha, em parte, daí: do encontro que nos proporciona com as coisas que estão ainda em estado de coisas, isto é, de significantes ainda não nomeados, objetos captados em estado bruto.
Talvez seja esta uma das funções mais pertinentes do cinema: nos reensinar a ver. Nos forçar a ver as coisas como coisas, tirando camadas de cultura ou preconceitos que imperceptivelmente se depositam.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 30 de março de 2008)
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