Canto do Inácio

Monday, November 06, 2006

O cinema possui mais do que histórias a contar
INÁCIO ARAUJO

Um casal que assistia a "O Signo do Caos", de Rogério Sganzerla, em São Paulo, há poucos dias, saiu do cinema no meio e indignado com o que viu. "Não tem história nenhuma." "Repete a mesma coisa o tempo todo."
Pode crer: o espectador de cinema -ao contrário do leitor de livros ou do visitante de museus- se acha com freqüência mais inteligente do que os próprios realizadores. Ele não é humilde diante da criação. Embora entre não mais de dez, 12 vezes por ano numa sala, acredita que sabe o que é cinema e se mostra pouco aberto a discussões.
Certos filmes, como "O Signo do Caos", ou os de Jacques Rivette, como "Quem Sabe?" (Telecine Emotion, 22h), são substancialmente filmes de indagação. E só vai se interessar por ele o espectador que busca descobrir o que o cinema é (e mais: ele sabe que o resultado da busca é, antes de mais nada, a própria busca).
Ou seja: quem garante que um filme deve "ter história"? Está na Tábua da Lei ou algo assim? E o que dizer de "Cidadão Kane", que é uma não-história (a história da impossibilidade de contar uma história).
Bem, o filme "Quem Sabe?" até tem uma história. No mais, até uma história cômica sobre Camille (Jeanne Balibar), uma atriz que volta a Paris após passar cinco anos na Itália. Enquanto se dedica ao teatro (sempre há o teatro, a representação, em Rivette), ela reencontra uma série de pessoas.
Assim como há filmes "sem história", este de Rivette é "sem sedução", ou seja, suspende inteiramente a máquina de sedução que é o cinema, não permite que o espectador se apaixone pela personagem ou por seu trajeto. Ele vê, ele segue, ele acompanha esse filme que parece se gerar à sua frente, junto da peça que se monta e da vida que se desenrola, sem pressa. Ao longo de duas horas e meia. É uma bela experiência.

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