Canto do Inácio

Sunday, April 13, 2008

EM "BLOW UP, REALIDADE É SEMPRE INCERTA
INÁCIO ARAUJO


No início de "Blow Up - Depois Daquele Beijo", o fotógrafo sai de uma fábrica e tira sorrateiramente o macacão: ele o usava para se passar por operário, para que suas fotos parecessem autênticas - é o que depreendemos.

Com isso, Antonioni nos coloca de imediato diante de uma ambigüidade. Ao vermos o personagem, não sabemos que é um fotógrafo. Mas ele já é um ator - David Hemmings. O seu disfarce é duplo: ele é o ator que se faz passar pelo fotógrafo, que por sua vez se faz passar por operário. Para chegar à verdade, o artista deve se valer de artifícios, sem dúvida, mas a realidade, para Antonioni, é sempre distante. E incerta.

Incerta, como veremos a seguir: o fotógrafo capta uma cena de amor em um parque de Londres. A protagonista dessas cenas (Vanessa Redgrave) se inquieta. Por quê? Nossa suposição é imediata: trata-se de um romance clandestino. Ao revelar as fotos, no entanto, percebe que por trás da cena de amor poderia haver algo mais: uma tentativa de assassinato.

As fotos, ampliadas, perdem em nitidez. Mas seu encadeamento parece demonstrar essa hipótese. Que prova mais palpável podemos querer de um fato além de uma foto? Não existe: a foto registra o real.

Antonioni não parece estar assim tão certo de que o real se entregue a nós com tanta facilidade. Ao contrário de Roberto Rossellini, ele acredita que a realidade escapa entre nossos dedos. Assim é em "Blow Up".

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 13 de abril de 2008)

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