EASTWOOD DISCUTE MITO DO HEROÍSMO
INÁCIO ARAUJO
Iwo Jima, uma ilha do Pacífico, foi o local de uma das mais sangrentas batalhas no front oriental da Segunda Guerra.
Tratava-se, para os japoneses, de evitar a entrada dos americanos na ilha a qualquer custo.
E, para os americanos, de conquistar uma posição estratégica, já em território japonês. Após duros combates, os americanos conseguiram tomar uma parte do território e ali erguer sua bandeira.
Clint Eastwood utiliza o episódio em dois filmes, "A Conquista da Honra" e "Cartas de Iwo Jima".
O diretor trata, em "A Conquista...", não bem da guerra, nem da batalha. É a bandeira que importa. Ou melhor: a foto da bandeira sendo fincada em terra estrangeira e a repercussão que teve internamente.
É claro, Clint pensa em guerras mais atuais. Mas a Segunda Guerra é o palco ideal para colocar sua indagação: "O que é um herói"? A pergunta é, de certo modo, clássica. E, como está longe de ser um tolo, Clint aproveitará fontes centrais do cinema americano em busca de uma resposta contemporânea.
Convivem neste filme três tons distintos e complementares: o amargor do John Ford de "O Homem que Matou o Facínora", a crispação de Samuel Fuller (da escola de Fritz Lang) em "Agonia e Glória", a frieza e a ironia de Howard Hawks em "Sargento York".
É perfeitamente possível gostar do filme sem nunca ter ouvido falar dos ilustres nomes acima. Clint sabe nos deixar completamente envolvidos na narrativa em torno do grupo de soldados que aparece na foto.
A conquista é ainda mais relevante do ponto de vista simbólico do que do militar, pois a foto daquele feito, publicada em todos os jornais, mudará o ânimo dos americanos sobre os rumos da Segunda Guerra Mundial. Ciente disso, o governo tratará de repatriar seus heróis para que se tornem garotos-propaganda da venda de bônus de guerra.
Aí, porém, começam os problemas. Heróis quem? Heróis como? Aquilo que a opinião pública reconhece como heróis não são senão os rapazes que ergueram a bandeira na hora da foto. Que heroísmo pode existir nisso? Clint começa por aí a esquadrinhar a questão proposta. É fascinante.
Tão fascinante quanto a operação que desenvolve em relação ao cinema americano. Como falar de heroísmo sem lembrar, com Fuller, que "na guerra, o único heroísmo é sobreviver"? E como falar de verdade sem lembrar o enunciado de "O Homem que Matou o Facínora" (quando a lenda é mais forte que a verdade, imprime-se a lenda)? E Ford, que cultivou mais do que ninguém os mitos da América, imprimia a lenda, mas mostrava a verdade que desmentia o fato.
Por fim, como omitir "Sargento York", em que a fabricação do herói e do heroísmo é como que colocada num microscópio por Hawks? Não se trata de "homenagear" esses cineastas clássicos, nem de evocar o fantasma desse belo passado do cinema, e sim de saber que o presente do cinema se faz com seu passado.
É como se, a cada cena, Clint quisesse voltar nesse admirável filme a um passado "yorkiano", no qual o herói, feliz e sem ambigüidade, caía nos braços do povo. Mas, a cada vez, é como se esse movimento fosse interrompido pelas sombras da história, pelas mentiras que ficamos conhecendo, por tudo aquilo que se omitiu para que a vitória se tornasse possível.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 02 de fevereiro de 2007)
INÁCIO ARAUJO
Iwo Jima, uma ilha do Pacífico, foi o local de uma das mais sangrentas batalhas no front oriental da Segunda Guerra.
Tratava-se, para os japoneses, de evitar a entrada dos americanos na ilha a qualquer custo.
E, para os americanos, de conquistar uma posição estratégica, já em território japonês. Após duros combates, os americanos conseguiram tomar uma parte do território e ali erguer sua bandeira.
Clint Eastwood utiliza o episódio em dois filmes, "A Conquista da Honra" e "Cartas de Iwo Jima".
O diretor trata, em "A Conquista...", não bem da guerra, nem da batalha. É a bandeira que importa. Ou melhor: a foto da bandeira sendo fincada em terra estrangeira e a repercussão que teve internamente.
É claro, Clint pensa em guerras mais atuais. Mas a Segunda Guerra é o palco ideal para colocar sua indagação: "O que é um herói"? A pergunta é, de certo modo, clássica. E, como está longe de ser um tolo, Clint aproveitará fontes centrais do cinema americano em busca de uma resposta contemporânea.
Convivem neste filme três tons distintos e complementares: o amargor do John Ford de "O Homem que Matou o Facínora", a crispação de Samuel Fuller (da escola de Fritz Lang) em "Agonia e Glória", a frieza e a ironia de Howard Hawks em "Sargento York".
É perfeitamente possível gostar do filme sem nunca ter ouvido falar dos ilustres nomes acima. Clint sabe nos deixar completamente envolvidos na narrativa em torno do grupo de soldados que aparece na foto.
A conquista é ainda mais relevante do ponto de vista simbólico do que do militar, pois a foto daquele feito, publicada em todos os jornais, mudará o ânimo dos americanos sobre os rumos da Segunda Guerra Mundial. Ciente disso, o governo tratará de repatriar seus heróis para que se tornem garotos-propaganda da venda de bônus de guerra.
Aí, porém, começam os problemas. Heróis quem? Heróis como? Aquilo que a opinião pública reconhece como heróis não são senão os rapazes que ergueram a bandeira na hora da foto. Que heroísmo pode existir nisso? Clint começa por aí a esquadrinhar a questão proposta. É fascinante.
Tão fascinante quanto a operação que desenvolve em relação ao cinema americano. Como falar de heroísmo sem lembrar, com Fuller, que "na guerra, o único heroísmo é sobreviver"? E como falar de verdade sem lembrar o enunciado de "O Homem que Matou o Facínora" (quando a lenda é mais forte que a verdade, imprime-se a lenda)? E Ford, que cultivou mais do que ninguém os mitos da América, imprimia a lenda, mas mostrava a verdade que desmentia o fato.
Por fim, como omitir "Sargento York", em que a fabricação do herói e do heroísmo é como que colocada num microscópio por Hawks? Não se trata de "homenagear" esses cineastas clássicos, nem de evocar o fantasma desse belo passado do cinema, e sim de saber que o presente do cinema se faz com seu passado.
É como se, a cada cena, Clint quisesse voltar nesse admirável filme a um passado "yorkiano", no qual o herói, feliz e sem ambigüidade, caía nos braços do povo. Mas, a cada vez, é como se esse movimento fosse interrompido pelas sombras da história, pelas mentiras que ficamos conhecendo, por tudo aquilo que se omitiu para que a vitória se tornasse possível.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 02 de fevereiro de 2007)
3 Comments:
Realmente este filme é de uma solidez e lucidez fantásticas em relação à história do cinema e acaba, paradoxalmente,se tornado um dos filmes de guerra mais originais já feitos(se não, o mais).
Teria algum texto a respeito do Sobre Meninos e Lobos,Diego?
By A.C., at 11:37 AM
Alessandro, tem sim. Vou postá-lo no decorrer da semana.
By Anonymous, at 1:28 PM
Realmente é possível gostar do filmes sem conhecer os mestres clássicos. Mas, aqui pra nós, desconhecer Ford, Fuller e Hawks é vilipendiar o cinema.
By Unknown, at 11:31 AM
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