Canto do Inácio

Monday, May 10, 2010

JOHN WOO REENCONTRA O ESPÍRITO DE AVENTURA
INÁCIO ARAUJO

Foi preciso importar um diretor de Hong Kong para que o cinema americano voltasse a ter filmes de aventura com espírito de aventura.

Essa é a maior contribuição de "A Última Ameaça": basta vê-lo para notar a precariedade de fórmulas tipo "Máquina Mortífera".

A intriga é simpaticamente absurda: Travolta faz um major aviador passado para trás nas promoções e disposto a roubar duas ogivas nucleares para efeito de chantagem. Quem o enfrenta é um ex-amigo, o tenente Hale (Slater).

O filme é orientado por um sentimento nostálgico: a vontade de reatar com a tradição clássica do filme de aventura americano.

Isso leva John Woo a abdicar em parte da originalidade que tem marcado seus trabalhos: nada das grandes surpresas, das coreografias alucinantes de outros filmes. Mas nessa súbita conversão ao papel de aprendiz também há ganhos.

Desde que os efeitos especiais se tornaram a real estrela dos filmes, somos submetidos a uma inflação de explosões acompanhadas de personagens apenas esboçados pelos roteiristas.
"A Última Ameaça" explora os efeitos melhor do que 99% dos filmes americanos atuais.

Uma explosão, uma queda de avião, aqui, não são apenas efeitos plásticos, mas um verdadeiro drama visual, que nos impressiona e, ao mesmo tempo, nos toca. Não são introduzidos gratuitamente, mas como decorrência necessária da ação.

Ao mesmo tempo, o filme trabalha bem com personagens arquetípicos, captados em elementos básicos (frustração, valentia, fraqueza etc.). Os atores, em especial Travolta, ajudam a criar a identificação entre protagonistas e platéia.

O risco disso tudo consiste em o filme poder ser visto, por parte do público, como uma bela velharia.

Com efeito, os filmes do tipo explode-e-corre são banais, mas modernos. Respondem a um mundo dominado pela tecnologia. Aqui, a tecnologia é muito bem usada, mas como elemento subsidiário.

"A Última Ameaça" parece representar um momento intermediário entre as virtudes que Woo já demonstrou (a inventividade na ação, o talento no uso da câmera) e algo que está por vir: a capacidade de incomporar a tecnologia como motivo do filme, sem cair na banalidade das fórmulas. É o que fazem De Palma, Spielberg, Cameron.

Por ora, o espectador pode ir ao cinema certo de que verá um espetáculo de fato espetacular.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 5 de abril de 1996)

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