Canto do Inácio

Monday, July 16, 2007

NÃO POR ACASO
INÁCIO ARAUJO

O filme 1 de Phillipe Barcinski tem um problema característico de primeiro filme. É como se houvesse uma idéia e tudo tivesse que se encaixar nela. Especialmente os personagens. Daí os movimentos dos personagens serem convencionais. Não há nada de errado com eles. E esse é o problema: sempre existe algo de errado com os seres humanos. Os personagens não chegam a se constituir como humanos. Eles são seres de roteiro.

Um exemplo evidente. O bonitão transa com a primeira garota. Ela está apaixonada por ele. Transa com a segunda. Ela fica apaixonada por ele. Pô, eu sei que ele é um supergalã, mas isso só não basta. As duas são sexualmente tão felizes quanto aparentam ser? Não têm nenhum problema? Ele é que é o máximo e desencanta qualquer garota. Eu queria saber algo sobre isso.

Já o outro cara, o da CET, se encontra com uma mulher e parece que esses dois nunca tiveram nada na vida. Aliás, ele parece que nunca teve nada com ninguém. Ora, me parece que a melhor opção seria a oposta: o bonitão, o gostosão, é um angustiado, com perdas na vida, a mulher vai atrás dele, mas ele não quer nada ou não consegue, etc. Enquanto o outro, o sem-graça, revela-se um demônio na cama. Isso é só um exemplo. Quero dizer apenas que os personagens são previsíveis demais, e que para ter vida é preciso que nos surpreendam, que fujam ao esquema.

Alguns problemas são decorrentes disso, como a interpretação de parte dos atores, que não consegue encarnar de fato os personagens, como os diálogos que, de tão naturalistas, de tão perfeitos em seu naturalismo, acabam soando falsos (porque inexpressivos, muito esperados, porque clichês), ou como o uso da música à maneira de novelas de TV, mesmo a distribuição de cenas à maneira das novelas (núcleo rico, núcleo pobre etc.). Em suma, falta consistência ao filme. Fiquei com a impressão de que o diretor é formado mais pela publicidade e pela TV do que pelo cinema. Mais: o filme se contenta em ser quadrado, impessoal.

Não quer dizer que não vale nada. A idéia da necessidade de controle sobre as coisas (exercido pelos personagens masculinos) me parece muito boa. Merece voltar em outros filmes, porque me parece algo obsessivo na cabeça do diretor. Acho que é algo que ele partilha também, e com muita força, o bastante para ter todas as ações do filme sob controle estrito e, com isso, atropelar a ficção.

Ao mesmo tempo, ele é escorreito. A ação corre limpamente. Os tempos são clássicos (cinema movimento), mas são controlados. A ficção é cinematográfica, depende quase sempre da imagem para existir, não é literária. Enfim, não tive a sensação de perder meu tempo, apesar dos problemas que vejo no filme.

1 Comments:

  • Caro Inácio,

    concordo com a maioria dos seus comentários sobre o filme.

    No entanto, não sei se chamaria os personagens do filme de "seres de roteiro". Vi-o já há algumas semanas, mas me ficou nítida a impressão de que esses tais seres demoraram um bocado a revelar a que vieram... quer dizer, suas intenções, suas frustrações não foram dadas logo de cara. De uma certa forma, isso prejudicou a empatia com certos personagens (como o do cara do CET), mas até que funcionou bem com outros (como o da Letícia Sabatella, que me pareceu um tanto ambígua e, portanto, não tão previsível assim...).

    De qualquer maneira, acho que entendo o que você quer dizer com "seres de roteiro". Estes são mais identificáveis em certos filmes independentes americanos recentes, como "Seus Amigos, Seus Vizinhos", sobre o qual você escreveu na Ilustrada recentemente...

    Abraços,
    Carlos

    P.S. Falando em filmes independentes americanos, nem tudo cai na vala comum. Recomendo a quem estiver lendo o belo "Questão de Vida" ("9 Lives"), filme em episódios, dirigido por Rodrigo García, filho do García Marquez. Passou na Mostra há dois anos e agora chega em DVD.

    By Anonymous Anonymous, at 8:41 PM  

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