ANOTAÇÕES PARA UM CÃO SEM DONO
INÁCIO ARAUJO
Tem filme de que eu saio percebendo que não sintonizei direito. Acho que aconteceu com o "Cão sem Dono", de que eu gostei, com a sensação de que me escapou, ao mesmo tempo.
É uma tortura quando isso acontece e a gente tem de escrever a respeito, porque o crítico tem de fazer sempre o número do especialista, daquele que sabe. O fato é que eu não sabia muito bem, quando vi o filme, e não sei muito bem agora.
Eu gosto do ar meio mal ajambrado do filme, essa coisa que se recusa a ser certinha, que se permite vagar em diversos momentos. Sai do que se faz hoje em dia, coisa muito planejada.
Ao mesmo tempo, me fica a sensação de que o próprio Beto Brant ainda não domina muito bem essa vagabundagem do filme, que, no entanto, tem no ponto de partida (o romance em que se inspira, ou talvez o próprio roteiro, ou mesmo a leitura do roteiro) uma coisa geracional muito precisa, essa coisa vazia, uma espécie de "aqui agora" que não se define por uma escolha de modo de ser, mas justamente por falta de opção.
Me pareceu que o filme acaba meio no tapa, não sei se faltou dinheiro no fim da produção.
Não entendi aquela garota, que num momento tem câncer, depois aparece do nada, saudabilíssima.
No geral, me pareceu um bom filme.
INÁCIO ARAUJO
Tem filme de que eu saio percebendo que não sintonizei direito. Acho que aconteceu com o "Cão sem Dono", de que eu gostei, com a sensação de que me escapou, ao mesmo tempo.
É uma tortura quando isso acontece e a gente tem de escrever a respeito, porque o crítico tem de fazer sempre o número do especialista, daquele que sabe. O fato é que eu não sabia muito bem, quando vi o filme, e não sei muito bem agora.
Eu gosto do ar meio mal ajambrado do filme, essa coisa que se recusa a ser certinha, que se permite vagar em diversos momentos. Sai do que se faz hoje em dia, coisa muito planejada.
Ao mesmo tempo, me fica a sensação de que o próprio Beto Brant ainda não domina muito bem essa vagabundagem do filme, que, no entanto, tem no ponto de partida (o romance em que se inspira, ou talvez o próprio roteiro, ou mesmo a leitura do roteiro) uma coisa geracional muito precisa, essa coisa vazia, uma espécie de "aqui agora" que não se define por uma escolha de modo de ser, mas justamente por falta de opção.
Me pareceu que o filme acaba meio no tapa, não sei se faltou dinheiro no fim da produção.
Não entendi aquela garota, que num momento tem câncer, depois aparece do nada, saudabilíssima.
No geral, me pareceu um bom filme.
8 Comments:
Tive a mesma sensação quanto ao final do filme. As 'soluções' me pareceram todas meio apressadas, como se quisessem (ou precisassem) acabar logo com tudo. No geral, a impressão de imperfeição também me agradou. Pareceu-me um sopro de ar fresco em meio a tantas obras engessadas.
By Anonymous, at 7:24 AM
Sensação idem, quanto ao final... Mas depois consegui interpretar a coisa em uma outra perspectiva. O processo de "reabilitação" do rapaz, isto é, sua volta ao mundo "lúcido", sofrido e penoso o quanto foi, parecia trazer a ele um novo conforto, acenando para uma vida mais sóbria, sem tanta angústia... Mas eis que volta à cena o pivô de tudo, a mulher... e isso exigirá dele o VERDADEIRO desafio: encarar uma relação de frente, deixar uma outra pessoa entrar de verdade em sua vida... Parece fácil, voltar assim, de repente, mas para ele, trata-se do VERDADEIRO RECOMEÇO... Se ele está pronto para isso ou não, o filme deixa em aberto...
Bom, não sei, acho que estou viajando... mas de qualquer maneira fez pensar. E filmes assim estão tão raaaaaaaaros....
Abraços,
Carlos
By Anonymous, at 8:21 AM
Inácio, você falou tudo. Tive a mesma sensação.
Fiquei tentando "decifrar" o filme, mas cheguei a conclusão de que talvez o objetivo do filme fosse esse: não concluir nada, não passar mensagem nenhuma senão o vazio de uma geração. Se a geração é vazia, o filme também é, no bom sentido.
Mas também tive a sensação de que o filme é bom. Sei lá o porquê.
By Wolf, at 10:45 AM
O primeiro diferencial no cinema brasileiro contemporâneo de interesse estético é a disposição de olhar do Cão. Vejo isso também no Baixio das Bestas. Um e outro se permitem enxergar o que estão a filmar, um o Cão, outro as Bestas.
Não é preciso ser o Bressane para trabalhar na duração dos planos, mas, mais que isso, Brant trabalha na experiência lá contida no plano. Não parece que interessa o tempo, o plano esticado até se dissolver, como o Bang Bang, do Tonacci, mas o que acontece durante esse tempo.
Ás vezes, não acontece muito, mas acontece algo, um silêncio entre uma frase e outra, uma falta de pressa em responder, em falar, em não dizer nada com o que se fala, apenas abrir ponte de comunicação. Não são diálogos. São conversas, papos furados, palavras soltas, sem importância para a intriga (que intriga?), sem revelações (talvez a do pai, mas é retroativa), sem informações úteis.
Fala-se em vazio e eu sinto ele lá, mas, antes dele, sinto os encontros e a comunicação afetiva, porque aqui estamos em um filme em que os personagem se comunicam, se expressam, mesmo o Ciro sendo meio sorumbático, etc
Há quem ataque a sequência da conversa com o pai, o abrir de coração daquele cara, mas eu acho aquilo lindo e importante hoje no cimema brasileiro
A gente tem vivido uma fase de estigmatização das diferentes representações da figura paterna, com Bicho de 7 Cabeças, Abril Despedaçado, Lavoura Arcaica, Latitude Zero, Baixio das Bestas, O Homem que Copiava, O Passageiro.
No Cão sem Dono, o pai é referência, é âncora, dá conselho, ajuda a pagar aluguel. A família de maneira geral é positiva e equilibrada. Está com e não contra. O Não por Acaso, do Barcinski, também vai nessa onda, tanto com a ausência presente do padrasto quanto com a ausência convertida em aprendizado em paternidade do pai orgânico.
Quem sabe não se abre uma fenda diferente a partir disso. Quem sabe essa dinâmica meio trôpega de roteiro, no fundo, não seja necessária para se valorizar outras coisas, ou seja, a experiência em si mesmo de alguns instantes.
Não é militância por um cinema da fenomenologia, mas por um cinema que saiba enxergar os personagens, eles em seus espaços, em vez apenas de usá-los para filmar o mundo, o país, a família, a cidade ou para mostrar que há ali personagens escritos em vez de personagens que vivem dentro do quadro e fora dele também
Tá ai, o Cyro existe, assim como o pai e a mãe dele, e não falo de verossimilhança. Ele vive, ele respira, ele é um ser humano, mais que uma criação no papel. Talvez a moça não tenha essa existência toda, talvez ela estej ali apenas em função do Ciro, talvez ela tenha ficado no papel. Nem sei se é questão de atuação.
abraços gerais
cléber eduardo
By Anonymous, at 3:42 AM
inácio! adorei seu comentário sobre o crítico que "tem de fazer sempre o número do especialista, daquele que sabe", me identifiquei!
muitas saudades, inácio!
By Pedro Alexandre Sanches, at 11:37 AM
Pôxa, ainda teve gente que criticou a seqüência da conversa com o pai?! Ela é perfeita! Não me esqueço da cara que o filho faz... quase como uma criança ouvindo uma história cujo sentido não consegue compreender totalmente... algo longínquo, perdido no tempo... Ao mesmo tempo, ele a aceita, consentindo... Afinal, seu pai viveu algo!!! Vi poucas coisas assim no cinema brasileiro!
Abraços,
Carlos
By Anonymous, at 1:25 PM
Eu acho que "Cão Sem Dono" é sobre o processo entre querer e ter um quadro na parede.
By Anonymous, at 11:59 AM
Qual será a relação fantasma entre a morte do cão e a aparição de uma outrora moribunda? Será que na realidade ela aparece mesmo, ou é um criação da cabeça de Ciro, um reconforto, uma procura pelo eixo?
Seria este um final feliz ou triste?
Questões difíceis...
By Anonymous, at 12:21 PM
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