Canto do Inácio

Wednesday, May 09, 2007

"BATISMO DE SANGUE" VAI ALÉM DA SALA ESCURA
HELVÉCIO RATTON

Meu filme "Batismo de sangue" vem provocando polêmica.

Para algumas pessoas que escrevem sobre cinema, o filme "peca pelo didatismo" ou mostra "cenas apelativas de violência". São afirmações superficiais, marcadas pelo preconceito contra um filme que não se prende a modismos nem segue a cartilha do vanguardismo de butique. Um filme consistente que dispensa malabarismo de câmera ou armadilhas de roteiro.

"Batismo de sangue", baseado no livro homônimo de Frei Betto, trata de acontecimentos verídicos, passados entre entre 1963 e 1974.

filme tem censura 14 anos está aberto a espectadores mais jovens, que desconhecem o que se passou naqueles anos. O letreiro que abre o filme e situa historicamente período da ditadura, assim como outras informações passadas de forma orgânica no desenrolar da narrativa, tem a função de contextualizar os acontecimentos. Não queremos dar aula de História para ninguém, mas mostrar o fundo onde se recortam os personagens e suas ações.

Isso é óbvio para quem assiste ao filme sem pedras na mão, mas a verdade é que algumas pessoas que escrevem sobre cinema têm profunda antipatia por filmes abertos ao público.

Para essas pessoas, os filmes devem ser cifrados, numa tal demonstração de inteligência e sofisticação que só os iniciados sejam capazes de decifrar.Confundem o simples, tão difícil de alcançar, com o simplório.

"Batismo de sangue" condensa uma extensa pesquisa histórica realizada em documentos oficiais, nos testemunhos de quem viveu os fatos narrados, em livros sobre o período, arquivos de fotos, noticiários de TV, jornais, revistas, filmes rodados na época e documentários. Foram camadas e camadas de informação que alimentaram o roteiro, a direção de arte, o figurino, a fotografia, o elenco. Tudo isso está no filme, mas sem exibicionismo. "Batismo de sangue" quer prender a atenção do público bem informado, capaz de perceber todos estes detalhes, e a dos jovens, para quem o filme se explica por si só, sem que necessitem informações de fora para compreendê-lo.

Quanto à tortura, não foi o filme que a inventou. A tortura aconteceu num grau de brutalidade e sadismo muito maior do que está mostrado.

O cinema dos dias de hoje avançou e muito os limites do realismo. Tomemos como exemplo os filmes de Tarantino, onde a violência atravessa toda a narrativa de forma injustificada e estúpida. Mas por que será que não taxam de apelativa a violência desses filmes? Porque esta violência é importada com o rótulo de "cult", de "fashion".

A violência do "Batismo de sangue" dói porque é eficiente enquanto cinema e porque aconteceu. Só que não havia sido revelada de forma contundente no cinema, e "Batismo de sangue" é o primeiro filme a fazer isso. Em "Pra frente Brasil", o protagonista é preso por engano e seus torturadores são mostrados como se fossem exceção, monstros, ao contrário do "Batismo de sangue", onde são a regra. A tortura a que foram submetidos os freis Fernando e Ivo durou um dia e uma noite, no filme dura poucos minutos. Frei Tito foi torturado durante três dias e três noites. As equipes de torturadores, funcionários do regime militar, revezavam-se e faziam hora extra. No filme, as torturas a que Frei Tito foi submetido aparecem na forma de rápidas visões.

Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho daqueles que estão vivos. Já estava mais do que na hora de abordar esses acontecimentos com verdade e audácia, como fizeram nossos vizinhos. Em um debate sobre o filme, disse um estudante que achava que esses fatos haviam acontecido no Chile e na Argentina, que para ele nossa ditadura tinha sido light. O comentário desse jovem deixa claro que nossos filmes sobre o período ficaram na ante-sala. "Batismo de sangue" desce ao inferno à procura de luz, para escancarar com suas imagens realistas a violência impune praticada pela ditadura militar contra seus desafetos.

"Batismo de sangue" extrapola os limites da sala escura do cinema e dialoga sobre nossa vida enquanto nação, nosso passado ainda presente, nossos mortos insepultos.

Um filme que corre riscos ao retratar personagens vivos e fatos acontecidos há pouco tempo. Um filme que após sair das salas de cinema continuará sendo discutido em outras salas por esse Brasil afora. Construído com delicadeza e contundência, "Batismo de sangue" emociona e faz pensar.

4 Comments:

  • Marcos Anton Nogelli:

    Acho interessante um diretor defender sua própria obra num artigo aberto, mas Ratton o faz de forma ridícula. Outra coisa: duvido que nele, Ratton esteja respondendo também ao Inácio - aliás, será que ele leu o que saiu aqui neste blog -, pois este tipo de artigo demanda uns dias de negociação entre pedido de espaço ao veículo, data acertada, e escrevê-lo.

    E como o filme já tinha levado antes várias cacetadas fortes por aí, como no "O Globo" mesmo, penso que era à elas que o texto se dirige.

    By Anonymous Anonymous, at 8:38 AM  

  • Interessante o comentário sobre a violência nos filmes do Tarantino, acho que Ratton não deixa de ter razão. A violência importada, como ele mesmo falou, é vangloriada aqui, enquanto que, quando é originada de filmes nacionais, torna-se apelativa...
    O filme tem lá seus problemas sim, mas dúvido que as cenas de torturas sejam um deles. Quem vai aos cinemas hoje está mais do que acostumado com isso, ainda mais em tempos de "Jogos Mortais" (e suas seqüencias)e "Albergue", aliás, até mesmo na televisão esse tipo de violência está disseminada, basta ver o "24 Horas" pra comprovar.
    Não entendo o motivo de tanto rebuliço...

    By Anonymous Anonymous, at 7:11 PM  

  • Que papo furado... O filme é fraco não pelas cenas de tortura, mas por outros motivos: roteiro trôpego, não consegue explicar as motivações reais dos personagens e omite o "delicado" e "contundente" FATO de que Frei Betto e sua turminha do barulho queriam era simplesmente trocar uma ditadura por outra, de inspiração cubana (a ALN recebia armas e dinheiro de Cuba, o filme passa longe disso, bela pesquisa histórica!); direção de atores medíocre, como é costume nos filmes de Ratton; e montagem deficiente, como pode-se ver logo na cena inicial do filme. É um filme fraco, parcial, omitidor e que não colabora em nada para compreendermos de forma honesta o período da ditadura militar.

    By Blogger matheus, at 1:42 PM  

  • Fora comparar a violência alegórica dos Filmes de Tarantino com a que aparece num filme com pretenções realistas. Patético ver um diretor querer defender um filme seu dessa forma. Só falta querer torturar os espectadores para fazrem gostar de seu filme.

    By Anonymous Anonymous, at 9:25 AM  

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