Canto do Inácio

Wednesday, May 02, 2007

PROIBIDO PROIBIR
INÁCIO ARAUJO

Quando entra o letreiro, com aquelas imagens do Rio e a música sublime, no começo do Proibido Proibir, pensei, pronto, hoje á a redenção. Daí vieram as cenas na universidade, bem filmada, e a casa dos rapazes. Mas logo a coisa começa a degringolar. Primeiro aparece na casa aquela cópia da Lição de Anatomia. Que significa isso? Que o cara estuda medicina! Parece aqueles velhos filmes nacionais em que tem sempre um pôster do Deus e o Diabo no quarto do cara que quer ser cineasta.

Aí a coisa vai, e eu pensava. Bom, este seria um bom filme, afinal, se a gente estivesse em 1940. Era o velho Duran, aquela coisa quadrada... Mas afinal não é isso que se persegue? Mostrar que “nós também sabemos fazer”? Então vamos lá.

Com o tempo a coisa começa a ficar insuportável. Não sei quem inventou que o Duran é o melhor roteirista do Brasil. Pra o meu gosto tem uns 80 melhores. O filme inteiro é construído assim: alguma coisa acontece, então vem uma cena, invariavelmente parada, em que se explica (verbalmente, se possível), o que aconteceu e o que se sentiu na cena passada, e que todo mundo já sabia o que era, mesmo porque o filme é de 1940...

Aí vem aquele momento antológico: o Caio Blat e a menininha estão naquele chove e não molha há uma hora. Aí eles começam uma conversa ambígua. Aí a gente vê os dois se aproximando, como se fossem se beijar. Mas logo volta ao normal: era tudo imaginação! Era o que ela queria! Ou ele! Ou os dois! Eu queria que fosse real, para acabar aquela agonia. E nada.

Então os dois, o Caio Blat e a menina vão à favela. Vêem uma situação terrível. Aí, claro, vão para o bar discutir o que fazer. E não fazem nada. Talvez seja porque agir seja coisa do cinema imperialista.

Então o Caio Blat vai até o hospital visitar a paciente sua amiga, a ex-porta bandeira. Topa com o leito desocupado. Aí aparece numa espécie de lixão, chorando com direito a grua. Onde o Duran aprendeu isso? O que ele assiste? Novela de televisão? Filme é que não é. Nem a pau. Não é possível.

Eu aqui com meus botões: eu tenho que pedir desculpas ao Ratton. Tirando aquelas besteiras do Fleury, aquela torturalhada e tal, seu filme até que se agüenta.
E o outro rapaz, o Dhalia, fez um filme que pelo menos não mostrava pobre matando ou sendo morto.

A cada semana o patamar de exigência vai mais para o buraco.

Alguém sabe quem é o débil mental que premiou esse filme no Baixo Orçamento?

O que essa gente quer? Acabar com o cinema brasileiro? Acho até que não é culpa do Duran; Ele deve fazer melhor. Faz isso só pra agradar o comissariado, os patrocinadores. Não é possível.
Bem, aí vem o grand finale. Por sinal num lugar muito bonito, no caminho de Petrópolis (as locações são muito boas, em geral). O crioulo levou um balaço e quase morreu. Estão levando ele pra Brasília, pra não ser assassinado. É então que, finalmente, o Caio Blat e a mocinha se atracam. Cacete! Isso é hora? Os caras ficaram ensebando o filme inteiro, esticando o roteiro o quanto dava. E no único momento em que ninguém pensaria nisso, quando o amigo baleado está correndo perigo de vida, quando a prioridade única é pensar nele é que eles se beijam.

Não. Desculpem, mas não dá pra dizer que isso é bom. Desculpem, mas essa desculpa que as pessoas não gostam do filme brasileiro porque só vêem filme estrangeiro não se agüenta. A gente está fazendo bomba atrás de bomba. A “política do patrocínio” (isto é: ausência de política) vai acabar com a gente...

15 Comments:

  • Concordo em gênero, número e grau. Vejo um movimento da imprensa afim de aclamar qualquer porcaria, só porque é brasileira. O Estadão endeusou o Cheiro do Ralo. Deram três páginas para um filme que não é ruim. Mas também não é bom. E como você disse: "pelo menos não tem pobre morrendo".
    Inácio, comente o Cão Sem Dono. O filme foi tão endeusado pela imprensa que se viram obrigado a premiar ele de todos os jeitos no festival de Recife. Vá catar coquinho. Aquela Tainá Muller é boa atriz onde? Ainda mais a MELHOR? Só mesmo concorrendo com a Sabatella pra se dar bem. O filme é um lixo.

    By Anonymous Anonymous, at 3:18 PM  

  • Inácio,

    O que você fez não foi uma crítica de um filme e um diretor. Mas um linchamento!!!Justamente o que tem criticado na sociedade brasileira.

    Que mal humor, hein?

    Já tem até um Paulo Saldanha acima, assanhado, querendo linchar "Cão Sem Dono" de Beto Brandt. Ou pior, querendo que você Inácio o faça por ele....

    Se você não aguenta mais ver pobre sendo assassinado no cinema é melhor mudar de país...Nossa realidade tem dessas coisas....

    Nelson Rodrigues de Souza

    By Anonymous Anonymous, at 6:19 PM  

  • Caro Inácio, não sei todos os debéis mentais do júri de baixo orçamento, mas numa pesquisa google tem Eduardo Valente, Maurice Capovilla, entre outros... Além do Proibido Proibir,nos ganhadores do edital constam a bomba pornochanchada constrangedora chamada A Concepção, a novela SBT do Roberto Bomtempo Depois Daquele Baile, Anjos do Sol que nem precisa falar, o somente bem intencionado Incuráveis e um filme do Cristian Sagard que ninguém viu e que talvez redima esse júri.

    By Anonymous Anonymous, at 7:27 PM  

  • Caro Inácio,

    ainda não vi "Proibido Proibir"... mas devo insistir, apesar da tua crítica. (Sou só eu ou o mês de abril foi catastrófico em termos de estréias? Resolveram desovar um monte de bomba... e esse aspirante a cinéfilo aqui, que assiste bastante coisa, não se aventurou muito para as salas, não.)

    Anyway, só sei que, por enquanto, tenho algo muito bom a comemorar sobre este blog: você está postando mais... e melhor! Não chega a ser com a freqüência de um Luiz Carlos Merten (risos), mas estou apreciando mesmo assim... com ou sem mau humor.

    Seus leitores agradecem.

    Grande abraço,
    Carlos Lopes

    By Anonymous Anonymous, at 8:57 PM  

  • Nelson Rodrigues, o correto é maU humor.

    By Anonymous Anonymous, at 6:19 AM  

  • Que cacetada, hein?

    Achei exagerada. Vi o filme ontem e gostei. Tem lá suas bobagens, é verdade, mas se segura.

    By Anonymous Anonymous, at 8:32 AM  

  • Concordo em relação a o filme ser ruim, horrível.
    Mas discordo em relação a só estarem lançando bombas no cinema nacional.

    Tem muitos filmes bons que sairam e estão saindo nessas ultimas safras.


    Em relação a Proibido Proibir, concordo em gênero, número e grau. O filme é fraco, com um roteiro previsível e raso.

    Começa com um debate sociologico contemporaneo, como a pobreza e violencia e termina num filme melodramatico açucarado demais.


    Um filme que poderia conter uma grande crítica social, que falasse sobre violencia, mas tb sobre soluções, não se passou de uma novelinha adolescente.

    E muito chatinha, por sinal.

    By Blogger Unknown, at 10:14 AM  

  • inácio

    eu e Ruy escrevemos textos extremamente favoráveis ao filme.

    o que quero dizer com isso, que vc está errado?

    nunca, mas apenas que não me parece um filme tão óbvio assim pra desancar política de patrocínio como se ele fosse dinheiro jogado no lixo.

    acho que vc anda vendo poucos filmes brasileiros... certamente não é o do Durán que merece esta pecha.

    By Blogger Eduardo Valente, at 6:39 PM  

  • ah,sim: verdade, eu e Capô estávamos na comissão que o premiou. mas, na verdade eu não li o roteiro então porque tínhamos uma comissão gigantesca e uma quantidade de inscritos irreais pra serem lidos por todos no prazo dado pelo MinC.

    resultado: optou-se por dividir os roteiros por subcomissões dentro da comissão que premiavam cada uma alguns roteiros. na minha subcomissão o premiado foi CAFUNÉ, do Bruno Vianna - filme que acho o resultado inferior ao do Durán aliás. mas que não me arrependo nada de ter premiado.

    By Blogger Eduardo Valente, at 6:42 PM  

  • Quando vi o filme confesso que simpatizei, mas gosto dos bons críticos (mesmo quando tornam-se passionais, ou principalmente nessas circunstâncias) porque podem nos fazer (re)pensar coisas que vimos de forma muitas vezes ligeira e superficial - mesmo que seja para gostar mais depois.

    Mas, Valente, com todo respeito, "Cafuné" é completamente desabonador para qualquer concurso que tenha vencido, infelizmente.

    By Anonymous Anonymous, at 6:51 PM  

  • talvez, Rafael, se fosse um concurso de longas. mas, sendo um concurso de roteiros, só podem julgar isso os que leram todos os concorrentes, né?

    By Blogger Eduardo Valente, at 8:42 AM  

  • Respeito muito a opinião do mestre Inácio, mas acho que ele exagerou com o filme do Duran - que, a mim, pareceu ser um retrato bem sensível de personagens chegando à fase adulta. De fato as cenas que incomodaram o Inácio são todas bem fracas (assim como o passeio pelo Palácio Capanema parece que só entrou porque os montadores estavam distraídos). Mas isso não mela o filme.

    E, numa boa, mestre, elogiar o "quase dois irmãos" dois dias depois já me parece exagero dos grandes. A diferença entre o filme da Murat e o do Duran é que num há personagens de papelão e no outro há personagens com vida. E a comparação decididamente não é favorável ao ideologismo muratiano, pelo menos pra mim.

    By Anonymous Anonymous, at 9:56 AM  

  • Não vi essas obviedades. No começo, com as frases feitas, o Rembrandt e o livro do Foucault, até que sim. Depois, achei que o filme se desenrolou bem, inclusive no final aberto, e o trio tem seu encanto, superando os defeitos que possam existir.

    By Blogger Lorde David, at 11:50 AM  

  • Concordo com a avaliação do Inácio sobre "Quase Dois Irmãos" publicada hoje na Ilustrada. Mas não posso compará-lo com "Proibido Proibir", que não vi ainda.

    Ah, sem querer ser repetitivo, não posso resistir ao comentário: que bom que este blog está "deslanchando", com maior freqüência do blogueiro e discussões de bom nível. Que venham mais!

    Abraços,
    Carlos Lopes

    By Anonymous Anonymous, at 12:12 PM  

  • Inácio,
    não sei em que bairro você se situa. De todo modo, dá uma passada na Baixada, na Zona oeste do Rio, por essas bandas, e vê como é a polícia, e vê onde é que se jogam os corpos e vê o que é um terreno baldio com desovas. Enfim, vê o que é o precário.

    By Anonymous Anonymous, at 7:17 AM  

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