Canto do Inácio

Monday, June 11, 2007

LUGAR NA PLATÉIA
INÁCIO ARAUJO

Revi Um Lugar na Platéia e continuo a gostar. Acho mil vezes melhor que o filme anterior da D. Thompson e um milhão de vezes acima da média do cinema comercial francês.

Me parece que ela tem uma visão de cinema, sobretudo do cinema francês, que desenvolve muito bem.

O filme tem três histórias. A da atriz que odeia o sucesso que faz na TV, encena Feydeau no teatro e quer a todo custo fazer um filme de prestígio é a primeira e mais acabada.

Nos fala dessa fobia do cinema francês (do cinema bom, bem entendido) em relação à popularidade, como se ter alcance popular fosse uma coisa ruim. Ela assume uma postura parecida com Truffaut e Chabrol (e mais alguns seguidores) nesse sentido, contra a predominância de uma cerebralidade extrema no cinema francês.

A trama é feliz ao introduzir o cineasta americano que parece pouco se lixar para os pruridos da atriz, pelo contrário, acha ótimo que ela seja popular. Mas também lança um piscar de olhos ao nacionalismo francês, com a aula que a atriz dá sobre Simone de Beauvoir ao diretor.

O episódio do pianista está na mesma balada. Ele é um sujeito que não suporta mais o ritual pedante e milionário dos concertos. Um bom momento: quando ele dedilha uma musiqueta para a garota, a Cecile de France, que não conhece nada de música erudita, e revela ao final que o compositor é Mozart. Ou seja, é como se o filme dissesse que não existe uma barreira a limitar a compreensão de Mozart e dos outros por um público grande. O que existe é um aparato feito para que não possamos nos aproximar dessa música.

O sistema cinematográfico não é um pouco assim, hoje? E agora penso, em especial, no Brasil: você só pode gostar do Homem-Aranha, não tem acesso a outras coisas, a outros filmes, que são tratados como coisas para poucos.

O outro episódio diz respeito ao grande colecionador que coloca todo seu acervo à venda. E aqui está colocada a questão do valor da obra de arte. Valor em todos os sentidos: estético, afetivo e monetário (não necessariamente nessa ordem), os três que disputam espaço, digamos assim, na seara da indústria cultural. E a Thompson faz convergir essas questões para a venda do Brancusi.

O Cleber disse que o filme lembra o tom das comédias de René Clair, e eu acho que ele matou a questão. Mesmo a celebração de Paris me parece apropriada. Enfim, achei sólido, simpático, cheio de vida.

6 Comments:

  • gosto do filme tb... mas não sei se é o mesmo tom dos filmes de René Clair. Talvez, nos poucos momentos que se aproximam do sarcástico (os com a atriz, principalmente), o filme se aproxime dos momentos mais comportados de René Clair. Porque os filmes do Clair tinham sempre um tom de zombaria e mesmo de ironia, às vezes camuflado, que me parece pouco presente no filme da Thompson. Isso considerando que o filme tenha mais parentesco com Esta Noite Ela é Minha ou Entre a Mulher e o Diabo, ou mesmo com Le Million

    By Blogger Sérgio Alpendre, at 9:45 AM  

  • Inácio,
    Achei incríveis as cores de "As grandes manobras". Será que dessa vez concordamos? Em "300"vc havia detestado! Kiyoko

    By Anonymous Anonymous, at 6:53 PM  

  • Também gostei de "Um Lugar na Platéia". Esperava menos... me surpreendi.

    O forte do filme é o roteiro, mas há também uma sensibilidade, um frescor que não deixa a mão pesar, ao mesmo tempo em que trata de questões "profundas", como: qual o valor da arte? vale dar uma de "cara de pau" para conseguir o que se quer?, etc.

    A cena em que Cecile de France se vê presa no teatro, debaixo de chuva, olhando para o bar em que trabalha do outro lado da rua é um pequeno achado...

    O personagem da atriz pedindo desculpas por "ser popular e ser amada" foi uma boa sacada também...

    Ah, e tem Laura Morante... bela atriz (italiana) : )

    Único senão: "enganado" pelo "Guia da Folha", vi o filme numa sala que o exibia em cópia digital (contrariamente ao informado) e passei uma boa meia hora tentando vencer minha irritação. Não há nada mais anti-clímax do que ver filmes em cópía digital... A impressão é de total falta de profundidade, não sei bem explicar... Será que ninguém se importa? Pensei em reclamar, mas, pensando bem, nada adiantaria no caso... Fica o protesto!

    By Anonymous Anonymous, at 5:02 PM  

  • Inácio, concordo em número e grau com o Carlos Lopes; não há nada mais irritante no cinema hoje que a tal projeção digital. Assisti CIDADE BAIXA na tal projeção digital e tive a pior das impressões (e você sabe o quanto sou condescendente com cinema nacional). Achei um filme artificial e feito para tv. Passei dias com a impressão de que a tal projeção digital mais parecia um tv gigante e que minha visão do filme foi prejudicada por isso. Hoje, consulto as salas de projeção e não entro em nenhuma que tenha projeção digital; especialmente as que exibem filmes brasileiros. Sei que esta é um tendência do futuro mas enquanto houver a opção da projeção 35mm, prefiro ver CINEMA!

    By Anonymous Anonymous, at 2:55 PM  

  • Do jeito que as salas de cinema têm se tornado uma verdadeira extensão da sala de estar da casa das pessoas, com toda a pipoca e falação que isso implica, é capaz de muitos nem notarem a diferença...

    Ainda bem que a projeção que vi do belíssimo "Cães sem Dono" era em película, mesmo... O cinema brasileiro ainda respira!

    Abraços,
    Carlos

    By Anonymous Anonymous, at 1:00 PM  

  • Oops, "Cão", no singular...

    By Anonymous Anonymous, at 1:00 PM  

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