BAIXIO DAS BESTAS
INÁCIO ARAUJO
Nem sei o que dizer do filme do Cláudio Assis.
Mas, para resumir, me parece que o cinema pernambucano tem sido o mais culto, o mais sólido do Brasil nos últimos tempos.
E este me parece o mais duro, mais cruel, mais conseqüente, mais infernal, mais belo dos filmes, brasileiros ou não, que entraram em cartaz ultimamente.
Me parece um cinema feito com total indignação. Mas não é uma indignação infantil, primitiva. Esse jeito de fixar a câmera, com calma, esperando que as ranhuras apareçam, me lembrou um pouco o Angelopoulos. Mas o conteúdo é outro, parece coisa do Peckinpah, é de uma descrença avassaladora no humano, mas também não é essa coisa dândi que a gente vê de vez em quando.
Dá a impressão de que aquela fossa que cavam interminavelmente ao longo do filme é para enterrar uma civilização que se deteriora, que é infernal, mas ainda preserva a beleza paradisíaca.
Esse último aspecto talvez seja o mais raro: você está no inferno, vendo o final de alguma coisa. Mas esse mesmo lugar possui uma beleza imanente, que de algum modo pode resgatá-lo.
Cada locação (em particular aquele cinema fantasma, onde os desejos se manifestam em pleno descontrole, cinema-bordel em que o sadomasoquismo do Cláudio Assis corre solto), cada personagem, cada quadro, cada diálogo têm um interesse, uma exatidão, uma conseqüência.
Me parece um filme profissional, vivíssimo, moderno. Enfim... Não agüento mais ver esses filmes de 1940.
INÁCIO ARAUJO
Nem sei o que dizer do filme do Cláudio Assis.
Mas, para resumir, me parece que o cinema pernambucano tem sido o mais culto, o mais sólido do Brasil nos últimos tempos.
E este me parece o mais duro, mais cruel, mais conseqüente, mais infernal, mais belo dos filmes, brasileiros ou não, que entraram em cartaz ultimamente.
Me parece um cinema feito com total indignação. Mas não é uma indignação infantil, primitiva. Esse jeito de fixar a câmera, com calma, esperando que as ranhuras apareçam, me lembrou um pouco o Angelopoulos. Mas o conteúdo é outro, parece coisa do Peckinpah, é de uma descrença avassaladora no humano, mas também não é essa coisa dândi que a gente vê de vez em quando.
Dá a impressão de que aquela fossa que cavam interminavelmente ao longo do filme é para enterrar uma civilização que se deteriora, que é infernal, mas ainda preserva a beleza paradisíaca.
Esse último aspecto talvez seja o mais raro: você está no inferno, vendo o final de alguma coisa. Mas esse mesmo lugar possui uma beleza imanente, que de algum modo pode resgatá-lo.
Cada locação (em particular aquele cinema fantasma, onde os desejos se manifestam em pleno descontrole, cinema-bordel em que o sadomasoquismo do Cláudio Assis corre solto), cada personagem, cada quadro, cada diálogo têm um interesse, uma exatidão, uma conseqüência.
Me parece um filme profissional, vivíssimo, moderno. Enfim... Não agüento mais ver esses filmes de 1940.
8 Comments:
Inácio, enfim alguém para apreciar a qualidade e a inteligência de BAIXIO.
By Anonymous, at 8:23 AM
Sinceramente, fui assistir ao Baixio com a melhor das intenções. Já naquele preâmbulo todo granulado e "poético", vi que tinha feito uma péssima escolha.
O filme não é ruim. Mas simplesmente não toca. E isso é bastante pessoal. Vemos a juventude perdida, a sociedade desolada, uma civilização que já não é mais civilizada há tempos. Mas e aí? Qual a novidade?
Comparando com o último filme nacional que vi, o Lost Zweig, fico com o de Sylvio Back.
By Wolf, at 12:19 PM
Caro Inácio,
faz tudo sentido... mas por que será que a gente fica incomodado durante a projeção, sai achando que o filme é manipulador, parcial e... SÓ DEPOIS, quando aquelas imagens e diálogos parecem não sair da sua cabeça é que a gente vai perceber sua força? (Pelo menos foi assim que eu me senti).
Abraços,
Carlos Lopes
By Anonymous, at 9:50 AM
Inácio
Não se esqueça: parte da crítica também está nos anos 40, com polêmicas quentíssimas que repercutem no partidão.
By Francis Vogner dos Reis, at 5:16 AM
Inveja é uma merda, hein, Francis Vogner!
By Anonymous, at 3:22 PM
Grande filme, me impressionou (um avanço gigantesco em relação a "Amarelo Manga", do qual gosto de apenas alguns detalhes).
By Marcelo V., at 1:44 PM
Bem, não é um típico filme dos anos 40. É de uns dez anos à frente.
Falassério, Inácio: Cláudio Assis pode ter talento e talz, mas não é um bom argumento em favor de um cinema "moderno". O cara ainda tá no tempo do Vittorio de Sica, só que na chave negativa. O negócio dele é neo-realismo. Isso que é cinema moderno? Meio velha essa modernidade...
By Anonymous, at 4:15 PM
inácio, seu texto me dá uma grande alegria! sobretudo pq nele vc diz coisas que não li em lugar nenhum e q são muito pertinentes...
assisti ao filme com amigos contracampistas, inclusive este belo crítico chamado ruy gardnier.
mas me senti sozinho...
pq se os detratores do filme só conseguem enxergar as "obviedades", as "facilidades" que assis explora, como se estivesse simplesmente fazendo denúncia, mais do que criticar o filme eles revelam suas próprias fraquezas: a crença cega num único paradigma estético puramente formal, puramente histórico e psicológico...
mas baixio não é um filme que dialoga com intelectuais, muito menos deve ser analisado sob uma perspectiva teórica... nem deve ser analisado em nome do Cinema, com C maiúsculo...
não vi por exemplo a suposta e propalada crueza do filme, pelo contrário: pra mim, soou lírico e plácido; uma doce cantiga, uma ontologia da ruína, enfim, um puta filme!
gostaria de escrever algo sobre ele, mas esperei para ler algo mais à altura do filme... e li.
By Bernardo Oliveira, at 1:29 PM
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