CINEMA DE ZURLINI TRAZ A BELEZA DOS VENCIDOS
INÁCIO ARAUJO
Mal dá para acreditar, hoje, que Claudia Cardinale tenha sido uma das mulheres mais admiradas do mundo por sua beleza. Quem a vir em "A Moça com a Valise" pode se surpreender com essas formas arredondadas que poderiam passar, hoje, por pecado capital.
Claudia foi uma das últimas estrelas cheinhas com direito a virar "sex symbol". Logo depois entrariam em cena as Veruschkas e outras modelos, colocando suas ossadas em evidência. Jean Renoir é um que havia de odiar a era das modelos. Ele achava mulher magra uma coisa triste.
Fim da digressão: não estamos com Renoir, e sim com Zurlini. São sensibilidades diferentes. Renoir era capaz de extrair alegria de qualquer coisa. Sabia localizar a vitalidade até na mais soturna tragédia. Zurlini, ao contrário, parecia perseguir a tristeza. E "A Moça com a Valise" (1961) é um filme sobre pessoas tristes.
Existe, é claro, Aida (Claudia), a moça da maleta, de quem o rico Marcello pretende se aproveitar. E existe Lorenzo (Jacques Perrin), o irmão adolescente, belo e triste, encarregado de livrar-se de Aida, quando ela se torna um aborrecimento para Marcello. Ocorre que as sensibilidades de Aida e Lorenzo sintonizam, os dois começam a desenvolver um diálogo. Algo de humano se manifesta.
Então ocorre o que há de mais fantástico no filme. Se alguém quiser contestar o arredondado de Claudia, que o faça. Sua beleza continuará inegável. O mesmo se pode dizer de Jacques Perrin. Mas a beleza desses dois seres, nas mãos de Zurlini, e à medida que o filme se desenvolve, se espiritualiza. Pensamos: foram feitos um para o outro. Um pode tirar o outro da situação de tristeza em que se encontra, a tal ponto suas almas parecem sintonizadas.
Eles são dois vencidos. Eis aí outra coisa que nosso tempo abomina. Queremos apenas vencedores. Mas Zurlini sabe que a poesia pode estar na derrota, assim como nas formas arredondadas.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de maio de 2006)
INÁCIO ARAUJO
Mal dá para acreditar, hoje, que Claudia Cardinale tenha sido uma das mulheres mais admiradas do mundo por sua beleza. Quem a vir em "A Moça com a Valise" pode se surpreender com essas formas arredondadas que poderiam passar, hoje, por pecado capital.
Claudia foi uma das últimas estrelas cheinhas com direito a virar "sex symbol". Logo depois entrariam em cena as Veruschkas e outras modelos, colocando suas ossadas em evidência. Jean Renoir é um que havia de odiar a era das modelos. Ele achava mulher magra uma coisa triste.
Fim da digressão: não estamos com Renoir, e sim com Zurlini. São sensibilidades diferentes. Renoir era capaz de extrair alegria de qualquer coisa. Sabia localizar a vitalidade até na mais soturna tragédia. Zurlini, ao contrário, parecia perseguir a tristeza. E "A Moça com a Valise" (1961) é um filme sobre pessoas tristes.
Existe, é claro, Aida (Claudia), a moça da maleta, de quem o rico Marcello pretende se aproveitar. E existe Lorenzo (Jacques Perrin), o irmão adolescente, belo e triste, encarregado de livrar-se de Aida, quando ela se torna um aborrecimento para Marcello. Ocorre que as sensibilidades de Aida e Lorenzo sintonizam, os dois começam a desenvolver um diálogo. Algo de humano se manifesta.
Então ocorre o que há de mais fantástico no filme. Se alguém quiser contestar o arredondado de Claudia, que o faça. Sua beleza continuará inegável. O mesmo se pode dizer de Jacques Perrin. Mas a beleza desses dois seres, nas mãos de Zurlini, e à medida que o filme se desenvolve, se espiritualiza. Pensamos: foram feitos um para o outro. Um pode tirar o outro da situação de tristeza em que se encontra, a tal ponto suas almas parecem sintonizadas.
Eles são dois vencidos. Eis aí outra coisa que nosso tempo abomina. Queremos apenas vencedores. Mas Zurlini sabe que a poesia pode estar na derrota, assim como nas formas arredondadas.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de maio de 2006)
4 Comments:
Olá, Inácio,
Desculpe tocar em assunto que já foi comentado atrás.Vendo que vc gosta tanto do Linch, gostaria de saber quais seriam seus preferidos dele, talvez uma listinha(listex)pessoal para eu poder me situar melhor a respeito dessa obra.Gostaria de saber se vc leva igualmente em consideração o Linch de o Homem Elefante, o de Veludo Azul(Coração Selvagem) e esse mais recente(digamos, de a Cidade dos Sonhos).
Até porque me parece que no começo vc tinha uma certa resistência a ele(lendo vc na Folha a um bom tempo)e hoje vc votou no homem como o melhor da atualidade.Ok,agradeço já.
By Anonymous, at 6:26 AM
Lindo texto sobre o Zurlini. É o poeta da melancolia mesmo. Ainda bem que estão lançando vários DVDs dele recentemente. Não tenho palavras para descrever o Cronarca Familiare. Filme de uma beleza e tristeza ímpar.
By Wolf, at 10:41 AM
É David Lynch, amigo aí de cima.
By Anonymous, at 10:42 AM
David Lynch ok, foi mal.
By Anonymous, at 3:41 PM
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