Canto do Inácio

Friday, July 04, 2008

ROSSELLINI RETRATA SANTO COM VIGOR

INÁCIO ARAUJO

Enquanto seus colegas se dedicavam, nos anos 60 e 70 do século passado, a consagrar o cinema italiano como um dos mais criativos e conseqüentes do mundo, Roberto Rossellini explorava outro campo, o da TV.

Rossellini, "pai de todos" do cinema italiano, não achava correto o rumo que a indústria impunha à arte: ela se tornara um ramo do mundo do espetáculo. Tornara-se cara, luxuosa, desnecessariamente perigosa (o perigo do fracasso).

Na TV, podia endereçar-se a todos os espectadores, dar seqüência à sua idéia de cinema como arte democrática, aberta a todos. Ninguém pense, por isso, que ele estava disposto a fazer concessões: a idéia de filmar para a televisão (estatal, é necessário precisar) permitia-lhe, justamente, não fazer as concessões comerciais que outros tinham de fazer para conquistar o público.

Tomemos seu "Santo Agostinho", de 1972. Quem se interessa pelo personagem? Um santo do século 4, ainda que com reputação de sábio e alguns livros clássicos, ainda que com muita influência na vida espiritual do Ocidente, até hoje não chega a ser um assunto para multidões. Rossellini pouco se importa com isso. Primeiro, nos seduzirá pela beleza.

Não essa beleza que vem do desejo de "fazer bonito". A beleza vem das coisas, não da filmagem. Nesse sentido, certas imagens fazem lembrar as de Pier Paolo Pasolini, seu ilustre discípulo.

Em segundo lugar, Rossellini trata Agostinho e sua época com rigor. Lá está ele, a partir do momento em que é elevado a bispo de Hipona, na África. É um momento de paixões: ao lado dos cristãos, há os hereges (são mencionados com insistência os donatistas, sejam quem forem) e os pagãos com quem tratar. Há um Império Romano em decadência, assaltado por bárbaros, e o risco de a culpa cair nos cristãos.

Esse momento Rossellini ilustra com frieza, apenas expondo com a maior exatidão possível a infatigável busca do bispo para impor a sabedoria num mundo convulsionado, em crise, em que as verdades absolutas tendem a ser varridas por meias-verdades ou oportunismos vários.

Ao falar de Agostinho de Hipona com tanto rigor e vigor, Rossellini não deixa de se endereçar, no entanto, ao mundo cheio de meias-verdades da atualidade. Ele não tem uma mensagem para nós. Agostinho é que tem. Rossellini cala para que o santo fale. Limita-se a mostrar. É o que fazem os grandes cineastas. Daí resulta um filme grande e raro.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 09 de abril de 2007)

1 Comments:

  • Inácio:
    Eu tentei, com o Suppa, iniciar um projeto de Livro de nossas MEMÓRIAS em Paris e na Casa do Brasil...
    Descobri o teu endereço e gostaria de contar contigo no projeto. Aguardo uma breve comunicação tua.
    Se não me responderes concluirei que não tens interesse...
    Com abraços do,
    Gerônimo W. MACHADO.
    Floripa (SC) BR.

    By Anonymous Anonymous, at 7:32 AM  

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