INÁCIO ARAUJO
Com nome de filme de guerra, "A Fronteira da Alvorada" promete ser mais um filme de guerra do que outra coisa. Mas não é bem isso. A expressão a reter, no caso, é fronteira: aquilo que aproxima e separa a noite do dia, a realidade da imaginação.
Philippe Garrel tem uma maneira às vezes estranha de promover esse tipo de aproximação. Em "Os Amantes Constantes", ele retomava 1968 como se buscasse não uma representação de eventos, mas entrar em 68. Em "Fronteira", há dois tempos representados pelas mulheres na vida do belo fotógrafo François (Louis Garrel): Carole (Laura Smet), a tempestuosa atriz de cinema por quem ele se apaixona, e a plácida Eve (Clémetine Poidatz), mais ou menos o negativo de Carole.
À sucessão das mulheres corresponde a outro desenvolvimento na linha do tempo: o filme, em branco-e-preto, reencontra o fantástico do cinema clássico francês. Mas Garrel não é um imitador nem propriamente um nostálgico. Seu trabalho com os ritmos é muito particular, embora não apaixonante: ele pode deter-se calorosamente na natureza das relações entre François e Carole para em seguida, de maneira quase repentina, notar o deslocamento do afeto do rapaz. Durante uma das ausências de Carole, é que Eve aparece.
Daí à ruptura é um passo. O que parecia um filme sobre Carole, desloca-se de repente. Pouco depois começamos a ver François às voltas com um novo e bem diferente amor.
Tempo interrompido
No entanto, é nesse instante que Garrel parece questionar a sucessão temporal. É como se, para ele, um amor não sucedesse a outro. E um evento que viesse depois do outro não tivesse o direito de relegar o anterior ao passado. É como se o amor de Carole, reivindicando seus direitos, retornasse na forma de pesadelo: o de um tempo que não passa, interrompido.
Como isso acontece não é possível dizer: é, de certa forma, o que faz o encanto de um filme que vive antes de mais nada de seu encanto e da precisão da mise-en-scène, que podem eventualmente gerar uma obra-prima como "Amantes Constantes".
"A Fronteira da Alvorada" fica um pouco abaixo, embora repita a notável fotografia de William Lubitchanksky. Com toda sua beleza, este filme não nos faz esquecer de que quase todo o cinema francês (excluídos os cineastas de origem árabe) debate-se num mundo que parece esgotado, fechado a questões urgentes por falta de questões urgentes. Mas isso já é outra história.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 05 de dezembro de 2008)
1 Comments:
Eu segui a lista de links sobre o filme que o Felipe Furtado deu,mas meu lado pop sempre fala mais alto.Parei no texto do site Omelete em que o Marcelo Hessel escreve:..."O diretor Philippe Garrel, pai de Louis, já começa A Fronteira da Alvorada mostrando, como em Amantes Constantes, que frequentemente o gestual fala mais que as palavras. A forma como Carole e François se movem respeitosamente na apertada sacada do apartamento, como Carole se recolhe quando François chega mais perto com o fotômetro... Os dois mal se conhecem e já há uma evidente tensão ali.
Por fim, o fascínio da imagem fala mais alto: a câmera de Garrel permanece em close-up em Carole por uns 20, 30 segundos, antes que a atriz e o fotógrafo (que ficou fora de enquadramento o tempo inteiro, então mais do que nunca François representou a nós, os observadores) finalmente se entreguem ao beijo".
By jose, at 4:38 PM
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