INÁCIO ARAUJO
"O Quarto Verde" é um filme sobre a obsessão pela morte. Pode espantar, vindo de um cineasta habitualmente vital como François Truffaut.
Espanta um pouco mais quando sabemos que é Truffaut, com um chapéu coco, que representa o papel central, o do homem obcecado, um jornalista, nos idos da Primeira Guerra, que vivencia de maneira extremada a morte de amigos e conhecidos.
O senso de humor e a agilidade, marcas registradas de tantos momentos de Truffaut, cede aqui a uma gravidade que beira a morbidez. Truffaut não teve vida fácil. Desde a infância, muitas vezes converteu a infelicidade pessoal em felicidade filmada. Aqui Truffaut namora a morte, que o apanharia traiçoeiramente em 1983.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 13 de fevereiro de 2004)
2 Comments:
Peço licença para transcrever um texto do Eterno Fausto Wolff,uma especie de Wolverine da literatura brasileira.
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Deus, sempre que ele exista, tem nos dado algumas pistas neste mês de novembro. Às vezes, os dias amanhecem com 14 graus, às cinco da tarde, descem ainda mais e por volta das nove já estamos com mais de 30 graus. Isso, convenhamos, é um convite ao baile para bactérias, fungos, bacilos e vírus que ontem à noite resolveram fazer uma orgia na minha garganta. Gripado, mal consigo prestar atenção em Perciliana, belo romance de estréia de Luiz Horacio. Procuro refúgio na TV a cabo. Ontem à noite, cinco dos seis canais apresentavam filmes sobre homossexualismo. Não acredito que haja uma opção sexual. O que há é uma compulsão sexual da qual nem heteros nem homossexuais podem escapar, da mesma forma que ninguém jamais conseguirá fazer um cavalo comer bifes ou um tigre, uma salada de hortaliças.
Num dos filmes, um menino de 5 anos perguntava ao pai se ele tinha um namorado. Será que a máfia gay de Hollywood acredita que pode acabar com um preconceito propagando um outro?; que conseguirá a paz mundial quando os gays estiverem no poder? Alguns dos melhores atores do mundo foram ou são homossexuais exatamente por não carregarem seus maneirismos para a frente das câmeras ou para o palco. O grande Charles Laughton era homossexual, mas isso não transparecia em seus personagens. Sua esposa, a atriz Elsa Lanchester, costumava dizer: ''Quando Charles aparece lá em casa com sua cara de bunda de elefante e seus meninos, eu me limito a fazer-lhes uma torta de maçã e sair de casa para fazer compras''. Perguntaram-lhe: ''E você não fica irritada?''. E ela: ''Eu não. Detesto torta de maçã''. Hoje em dia, porém, a maioria dos atores leva seu homossexualismo para a tela e a ação se torna patética.
A eleição de Schwarzenegger para o governo da Califórnia é uma demonstração de que a época dos grandes estadistas acabou. Hoje tudo é mau show business. Astrinhos e estrelinhas ganham milhões de dólares do dia para a noite e há uma fila de milhões de pessoas dispostas a vender a vergonha na cara por um momento de sucesso. A grande maioria passa uma vida inteira sofrendo, fazendo pontinhas em shows de asilos onde acabam internados.
O cinema foi a ópera do século 20 e nos Estados Unidos serviu aos interesses do sistema sempre que requisitado. Isso, porém, não o impediu de criar uma ou duas gerações olímpicas de diretores, atores e atrizes. Em qualquer filme de 1930 a 1970, pelo menos, os atores tinham cara. O sujeito aparecia cinco minutos fazendo o papel de um garçom e você não se esquecia dele. Isso para não falar dos semideuses, Chaplin, Oliver e Hardy, Buster Keaton, Barrimore, James Cagney, Gloria Swanson, Joan Crawford, Betty Davis, Henry Fonda, Robert Mitchum, Gregory Peck, Jennifer Jones, Burt Lancaster, Marilyn Monroe, Walter Matthau. Montgomery Clift, Paul Newman e, mais recentemente, os últimos dos moicanos, Jack Nicholson, Dustin Hoffman, Al Pacino, Robert de Niro.
Minha geração conheceu mais essa turma do que os próprios parentes, pois crescemos com eles e acompanhamos suas carreiras, decadência e morte. Nos anos 40, quando as moças e rapazes brasileiros queriam se chamar Mary e Joe, como os americanos, revelavam bem os planos horríveis que tinham para o fim do século! Foi o cinema - e posteriormente o vídeo e a TV - que trouxe a morte para dentro de casa. Até a invenção dos irmãos Lumière, a morte não era tão popular por causa de dois fenômenos: Deus e o Céu eram certezas naturais e os pintores da corte imortalizavam a aristocracia e os burgueses que, nos quadros, não ficavam nem mais velhos nem mais moços. Podemos passar anos sem ver parentes e amigos, mas dificilmente passar-se-á algum ano em que não vejamos John Wayne, Cary Grant ou Katharine Hepburn nas mais diversas idades, sempre vivos, sempre se movimentando, embora mortos.
Relendo o que escrevi até aqui decidi que ainda explorarei com mais vagar essa minha teoria do cinema como presença da morte viva em nossas existências; da importância subliminar e da influência dos antigos astros e estrelas na sociedade do fim do século 20. Há alguns anos, numa semana, vi filmes de Lilian Gish, dos 16 aos 85 anos, e fiquei impressionado com a calamidade que o tempo causa em nossas caras e com Lilian ele até que foi bonzinho. O cinema cristaliza a nossa fragilidade temporal, nossa vulnerabilidade. Quando diante de um filme dizemos ''Este ator é mais moço do que eu'' ou ''Neste filme de 1920 só o bebezinho talvez esteja vivo'' é bom repensarmos nossos papéis nesta vida. Nós nos acostumamos com os atores, gostamos dos melhores, sabemos de suas vidas e quando morrem nos matam um pouco também. É quando corremos ao espelho e verificamos que, do quarto ao banheiro, envelhecemos 50 anos.
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By jose, at 3:28 PM
e é o melhor dele
By Unknown, at 3:18 AM
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