TEMPO DE CINEMA
INÁCIO ARAUJO
Há meses o Marcos Flamínio me pediu uma resenha do "Brasil em Tempo de Cinema". Só agora terminei de ler o livro e tenho alguma idéia a respeito. O tempo jornalístico está perdido, mas o do blog talvez não.
O centro do livro consiste na tentativa de sistematizar a grande, rica e diversificada produção brasileira entre o fim dos anos 50 e meados dos 60. Mas por que sistematizar, buscar tão febrilmente elos entre filmes absolutamente distantes?
Me parece que Jean-Claude procurava, antes de tudo, não perder de vista a sociedade em que esses filmes eram produzidos. Essa era a baliza, sem empreender uma análise mecânica (do tipo em que os filmes aparecem, no fim das contas, sempre como sintoma de certos traços de sociedade).
Isso é muito importante, porque a diversidade da produção era um fenômeno inédito e ele também não tinha bibliografia atrás, é um livro inaugural.
E, embora talvez não fosse possível suspeitar na época, é também um livro de história, quer dizer, que tem uma contribuição muito grande como estudo histórico, que é o ponto da produção do JC que eu, pessoalmente, prefiro.
Dizer de sua importância não significa que não tenha problemas. Alguns me parecem que já vinham da época. Há uma rigidez de análise muito grande em determinados momentos. Não vejo sentido em observar que o operário de "O Grande Momento" era alienado, porque no fim queria casar e ser burguês, a não ser o desejo do crítico de se antepor à produção.
Aliás, o que me chama a atenção no episódio, realmente, é que JC falou a respeito com Roberto Santos e este, segundo o livro, parece ter concordado com a crítica.
Vejo aí dois movimentos: a) o desejo de ser aceito leva o cineasta por vezes a concordar com o crítico, por absurdo que seja o que ele diz; b) uma saudável proximidade entre produção e pensamento.
O primeiro é um falso movimento. O segundo, não.
Quando, ao contrário, JC mais se identifica com o filme, a crítica me parece mais plena, mais apaixonada, a análise mais detida. É o caso em especial de "O Desafio" e "São Paulo S/A".
Enorme ambigüidade, tensão, tentativa de compreender, de dominar "Deus e o Diabo", que parece escapar por entre os dedos do crítico. Há filmes assim. JC resolve essa tensão com interpretação que, me parece, não tem nada a ver com o que existe na tela. Essa história de Antonio das Mortes como representação da classe média é fraca, a começar que desconsidera Antonio das Mortes em pessoa. JC não aceita o mistério do personagem, os mistérios, os desvãos do filme.
Por outro lado, é onde se poderia esperar que o livro mais tivesse envelhecido que ele me pareceu mais inteiro. Na análise de que existe uma espécie de destino do cinema brasileiro, que consiste na busca de contato com um público de classe média.
O mundo mudou, o modo de pensar mudou, o cinema mudou. Mas o enigma percebido por este filme - ou seja, a necessidade do filme brasileiro de atingir um público, a dificuldade de fazê-lo, o desafio de consegui-lo - continua intacto.
INÁCIO ARAUJO
Há meses o Marcos Flamínio me pediu uma resenha do "Brasil em Tempo de Cinema". Só agora terminei de ler o livro e tenho alguma idéia a respeito. O tempo jornalístico está perdido, mas o do blog talvez não.
O centro do livro consiste na tentativa de sistematizar a grande, rica e diversificada produção brasileira entre o fim dos anos 50 e meados dos 60. Mas por que sistematizar, buscar tão febrilmente elos entre filmes absolutamente distantes?
Me parece que Jean-Claude procurava, antes de tudo, não perder de vista a sociedade em que esses filmes eram produzidos. Essa era a baliza, sem empreender uma análise mecânica (do tipo em que os filmes aparecem, no fim das contas, sempre como sintoma de certos traços de sociedade).
Isso é muito importante, porque a diversidade da produção era um fenômeno inédito e ele também não tinha bibliografia atrás, é um livro inaugural.
E, embora talvez não fosse possível suspeitar na época, é também um livro de história, quer dizer, que tem uma contribuição muito grande como estudo histórico, que é o ponto da produção do JC que eu, pessoalmente, prefiro.
Dizer de sua importância não significa que não tenha problemas. Alguns me parecem que já vinham da época. Há uma rigidez de análise muito grande em determinados momentos. Não vejo sentido em observar que o operário de "O Grande Momento" era alienado, porque no fim queria casar e ser burguês, a não ser o desejo do crítico de se antepor à produção.
Aliás, o que me chama a atenção no episódio, realmente, é que JC falou a respeito com Roberto Santos e este, segundo o livro, parece ter concordado com a crítica.
Vejo aí dois movimentos: a) o desejo de ser aceito leva o cineasta por vezes a concordar com o crítico, por absurdo que seja o que ele diz; b) uma saudável proximidade entre produção e pensamento.
O primeiro é um falso movimento. O segundo, não.
Quando, ao contrário, JC mais se identifica com o filme, a crítica me parece mais plena, mais apaixonada, a análise mais detida. É o caso em especial de "O Desafio" e "São Paulo S/A".
Enorme ambigüidade, tensão, tentativa de compreender, de dominar "Deus e o Diabo", que parece escapar por entre os dedos do crítico. Há filmes assim. JC resolve essa tensão com interpretação que, me parece, não tem nada a ver com o que existe na tela. Essa história de Antonio das Mortes como representação da classe média é fraca, a começar que desconsidera Antonio das Mortes em pessoa. JC não aceita o mistério do personagem, os mistérios, os desvãos do filme.
Por outro lado, é onde se poderia esperar que o livro mais tivesse envelhecido que ele me pareceu mais inteiro. Na análise de que existe uma espécie de destino do cinema brasileiro, que consiste na busca de contato com um público de classe média.
O mundo mudou, o modo de pensar mudou, o cinema mudou. Mas o enigma percebido por este filme - ou seja, a necessidade do filme brasileiro de atingir um público, a dificuldade de fazê-lo, o desafio de consegui-lo - continua intacto.
4 Comments:
"... É também um livro de história, quer dizer, que tem uma contribuição muito grande como estudo histórico, que é o ponto da produção do JC que eu, pessoalmente, prefiro".
Que você realmente prefere neste livro específico?
Pois.
Sempre que, diante de um livro JC, eu me identifico com o que ele escreve, é, sem dúvidade, quando ele se deixa tomar pela análise textual dos filmes, debruçando-se no objeto em si. Por isso que, de todos que li dele, gosto bastante do Cineastas e Imagens do Povo eo livro sobre Kiarostami.
By Anonymous, at 12:10 PM
Inácio, gostaria que, se possível, você comentasse sobre o trabalho de Brian DePalma. Explico o motivo: estava na locadora e vi o dvd de Irmãs Diabólicas. Lembrei que, há tempos, vc comentou na coluna de tv paga da Folha ser, este filme, uma aula de cinema. Aluguei o dvd. Bom, não há dúvida que Palma entende, e muito, do riscado, mas fico me perguntando sobre o motivo de algumas escolhas do diretor (o elenco, principalmente. Aliás é um problema que também vejo em Dália Negra)
Estou ansioso por um comentáruio seu.
Abraço
By Anonymous, at 7:57 AM
Resposta ao Marcos:
Acho que existe esse lado do JC de querer compreender tudo, que dá em análises meio estranhas, onde ele procura proximidades em coisas coisas muito diferentes. Elas sempre existem, claro, mas me pergunto se são de fato relevantes ou se servem para explicar o fenômeno.
Talvez por isso as coisas interessem mais quando ele se dedica a um São Paulo S/A, por exemplo, ou a um "O Desafio".
A parte doutrinária que deriva dessas análises, a questão do realismo crítico, não me parece que tenha resistido muito bem ao tempo.
O jc historiador está nesse livro não só porque está fazendo um livro que procura dar conta, historicamente, daquele momento, como na percepção de que o público natural do cinema brasileiro é a classe média.
JC não concebe filme sem público, parece até que vê como uma perversão do nosso cinema o costume de sobreviver sem público.
É interessante isso, porque que está lá em 1966 e depois em 1996 ou 2006.
As situações são completamente diferentes, mas a preocupação parece que ficou intacta.
By Anonymous, at 11:20 PM
RESPOSTA AO RAFAEL
Rafael,
em breve vou ver se consigo escrever umas linhas sobre o que penso do DePalma.
By Anonymous, at 11:21 PM
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