Canto do Inácio

Monday, September 24, 2007

WERNER HERZOG FILMA SUA RELAÇÃO COM KLAUS KINSKI
INÁCIO ARAUJO

Se não fosse por Werner Herzog, Klaus Kinski nunca seria conhecido como, provavelmente, o maior ator alemão de cinema desde o pós-guerra. Teria seu nome ligado, quando muito, à figura vilanesca de certos faroestes espaguete, em geral vagabundos.

Não que, com Herzog, Kinski tenha abandonado a postura de vilão: ele foi o ensandecido Aguirre, de "Aguirre, a Cólera dos Deuses" (1972), o temível vampiro em "Nosferatu" (1979), o visionário Brian Fitzgerald, de "Fitzcarraldo" (1982). Os papéis mais marcantes de sua vasta filmografia foram em parceria com Herzog.

No campo de filmagem, Kinski era uma carne de pescoço. Já se conhecia a história de "Aguirre". Com a filmagem em pleno andamento, Klaus Kinski resolveu, simplesmente, abandonar o trabalho e deixar a Amazônia.

Só mudou de idéia porque Herzog lhe apontou uma arma de fogo e disse, com seu jeito calmo, que, se quisesse sair dali, sairia, mas morto. Herzog conta pessoalmente o episódio em "Meu Melhor Inimigo" e completa: "E eu teria mesmo atirado".

Quer dizer: para louco, louco e meio. E Werner Herzog nunca foi conhecido por ser muito equilibrado. Talvez venha daí a química fabulosa que rendeu alguns dos melhores filmes do cinema alemão recente. Para que tudo desse certo no final, talvez fosse necessário que as relações entre Herzog e Kinski fossem sempre tempestuosas.

Daí vem também boa parte do encanto deste filme-homenagem ao ator (que morreu em 1991). Herzog empenha-se sinceramente em nos fazer conhecer como era Klaus Kinski, seu jeito irado (desde a juventude, quando ainda era candidato a ator), seu brilho e sua personalidade única.

Mas não apenas isso. "Meu Melhor Inimigo" também se detém sobre a técnica de Kinski e, nesse sentido, é uma magnífica aula de interpretação no cinema.

No entanto, é desse título estranho que vem o essencial do filme. Todo mundo tem um amigo especial. Poucos têm um inimigo do peito como Klaus Kinski. Isto é, a afinidade entre ambos parecia vir não das semelhanças, mas daquilo que os diferenciava.

Kinski era, com o perdão do lugar-comum, um vulcão em atividade permanente, sempre questionando o mundo. Herzog é, ao contrário, um contemplativo, que observa o mundo e suas bizarrices, que as aceita e trabalha a partir delas.

Por isso mesmo Kinski, mais que ator, era, já em vida, um personagem de Herzog.

Morto, essa condição chega a uma espécie de plenitude. É como se Herzog sentisse a morte de seu melhor inimigo - de seu antípoda - como sua própria morte. Talvez daí venha o carinho que o filme transmite, como se quisesse recuperar essa vida que foi, na verdade, um pesadelo.

Daí também esse movimento ambíguo do filme: em princípio um documentário, ele parece trabalhar não com a "realidade" de Kinski, mas com sua irrealidade, com tudo o que faz dele um personagem, um ser de ficção. E, diga-se logo, de uma ficção fantástica e alucinada.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 09 de fevereiro de 2001)

2 Comments:

  • Diego, tenho visto que tem postado textos mais antigos.Que tal
    publicar o texto sobre o Elefante,A Vila, O Aviador(não sei se houve algum sobre esses dois últimos)

    By Anonymous Anonymous, at 3:56 PM  

  • Acho que tem algum texto sobre "O Aviador" no arquivo. Ou seria do "Gangues de Nova York"? Em todo caso, vou ver se encontro textos sobre esses três.

    By Anonymous Anonymous, at 6:19 PM  

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