HERZOG DELINEIA SUA OBSESSÃO AMAZÔNICA
INÁCIO ARAUJO
Não há movimento mais estranho do que o chamado novo cinema alemão, que se manifestou nos anos 60 e recolocou a Alemanha no mapa cinematográfico mundial, de onde fora banida desde 1933, isto é, desde Hitler.
E talvez não haja destino mais singular, entre essas estrelas, do que o de Werner Herzog - já que R.W. Fassbinder morreu prematuramente, embora deixando uma vasta obra, e Wim Wenders nunca se recobrou inteiramente de suas decepções com os EUA.
Herzog foi o que se destacou de forma mais incisiva, no início, e "Aguirre, a Cólera dos Deuses" o revelou mundialmente (embora "Sinais de Vida", de 68, já tivesse ganhado um Urso de Prata em Berlim). Não só a ele, é verdade. Junto veio Klaus Kinski, até ali um coadjuvante de faroestes espaguete com fama de atrabiliário.
Kinski revelou-se o perfeito herói herzoguiano, romanticamente alemão no gosto pela aventura e pela exploração da natureza, mas, sobretudo, pela capacidade com que transitava da obsessão à insânia. Verdade, tudo isso acontecia com Aguirre, o explorador espanhol. Mas Kinski parecia acreditar piamente, mais do que Aguirre, em sua busca pelo Eldorado.
Existe um quê melancólico em "Fitzcarraldo", retorno à Amazônia de Herzog e Kinski, acompanhados de Claudia Cardinale, para falar de aventureiro que planeja construir um teatro na selva. Fitzcarraldo flerta com o impossível, vira desejo em destino e recebe os contragolpes da matéria por tê-la agredido rudemente com a idéia.
O combate entre idéia e matéria está no centro da obra de Herzog e, se não faltam virtudes a "Fitzcarraldo", já lhe falta um tanto do vigor tão impressionante na obra inicial de Herzog, da qual constitui possivelmente o epílogo.
Talvez por isso a cena mais marcante continue sendo a do transporte de um navio -missão de que Fitzcarraldo encarrega um alentado grupo de índios, mas na qual se empenha com toda a paixão, resumindo o personagem.
Isso é o que não se consegue encontrar em "Aguirre". Existe ali uma progressão tão metódica quanto maníaca em direção ao interior da Amazônia. Olhamos o rosto de Kinski e percebemos: esse homem, capaz de controlar o menor movimento de seus homens, é simplesmente cego ao mundo exterior. Da paixão à deriva e da crença ao caos, Herzog controla a evolução do filme com sofrimento visível - mas controla, está claro -, enquanto Aguirre se perde no próprio sonho.
Embora "Aguirre" me pareça superior a "Fitzcarraldo", é inegável que ambos compõem um belo conjunto sobre a obsessão amazônica de Herzog, que ele renovaria mais tarde ao filmar o documentário sobre o magnífico maluco que foi Klaus Kinski, seu inimigo íntimo e alma destes filmes.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 27 de novembro de 2005)
INÁCIO ARAUJO
Não há movimento mais estranho do que o chamado novo cinema alemão, que se manifestou nos anos 60 e recolocou a Alemanha no mapa cinematográfico mundial, de onde fora banida desde 1933, isto é, desde Hitler.
E talvez não haja destino mais singular, entre essas estrelas, do que o de Werner Herzog - já que R.W. Fassbinder morreu prematuramente, embora deixando uma vasta obra, e Wim Wenders nunca se recobrou inteiramente de suas decepções com os EUA.
Herzog foi o que se destacou de forma mais incisiva, no início, e "Aguirre, a Cólera dos Deuses" o revelou mundialmente (embora "Sinais de Vida", de 68, já tivesse ganhado um Urso de Prata em Berlim). Não só a ele, é verdade. Junto veio Klaus Kinski, até ali um coadjuvante de faroestes espaguete com fama de atrabiliário.
Kinski revelou-se o perfeito herói herzoguiano, romanticamente alemão no gosto pela aventura e pela exploração da natureza, mas, sobretudo, pela capacidade com que transitava da obsessão à insânia. Verdade, tudo isso acontecia com Aguirre, o explorador espanhol. Mas Kinski parecia acreditar piamente, mais do que Aguirre, em sua busca pelo Eldorado.
Existe um quê melancólico em "Fitzcarraldo", retorno à Amazônia de Herzog e Kinski, acompanhados de Claudia Cardinale, para falar de aventureiro que planeja construir um teatro na selva. Fitzcarraldo flerta com o impossível, vira desejo em destino e recebe os contragolpes da matéria por tê-la agredido rudemente com a idéia.
O combate entre idéia e matéria está no centro da obra de Herzog e, se não faltam virtudes a "Fitzcarraldo", já lhe falta um tanto do vigor tão impressionante na obra inicial de Herzog, da qual constitui possivelmente o epílogo.
Talvez por isso a cena mais marcante continue sendo a do transporte de um navio -missão de que Fitzcarraldo encarrega um alentado grupo de índios, mas na qual se empenha com toda a paixão, resumindo o personagem.
Isso é o que não se consegue encontrar em "Aguirre". Existe ali uma progressão tão metódica quanto maníaca em direção ao interior da Amazônia. Olhamos o rosto de Kinski e percebemos: esse homem, capaz de controlar o menor movimento de seus homens, é simplesmente cego ao mundo exterior. Da paixão à deriva e da crença ao caos, Herzog controla a evolução do filme com sofrimento visível - mas controla, está claro -, enquanto Aguirre se perde no próprio sonho.
Embora "Aguirre" me pareça superior a "Fitzcarraldo", é inegável que ambos compõem um belo conjunto sobre a obsessão amazônica de Herzog, que ele renovaria mais tarde ao filmar o documentário sobre o magnífico maluco que foi Klaus Kinski, seu inimigo íntimo e alma destes filmes.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 27 de novembro de 2005)
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