OURO DE CHORO
INÁCIO ARAUJO
Somos campeões de choro. Na Olimpíada, o que ganhou chora. O que perdeu também chora.
Fora, o sujeito que teve o filho morto chora. E o sujeito cujo filho virou assassino também chora.
Houve um tempo em que as pessoas se escondiam para chorar. Quando a voz embargava, por qualquer razão, procuravam sair de cena.
Foram as novelas que mudaram isso. No mundo, a vida imita a arte. Aqui, a vida imita as novelas vagabundas. As novelas fizeram de chorar um valor.
Primeiro entre os atores. O momento do choro era o grande momento dramático. Tão importante que era possível perceber no rosto que o ator já não lembrava do personagem. Numa espécie de delírio narcisista, apenas exibia as lágrimas, prova de sua competência profissional e do sofrimento do personagem.
Foi depois que vieram as reportagens (acho). Os repórteres chegam, em geral na periferia, para o cara que tinha perdido tudo na enchente, a casa, os móveis, o cachorro, tudo e perguntam: "Como é que o senhor está se sentindo?" E o fulano, coitado, começa: "Perdi tudo que tinha, tudo que construí...". E cai no choro, o que é justo. Mas trata-se de um choro sordidamente induzido, nada mais.
Com o tempo, todos nos convencemos de que chorar é um signo natural de sofrimento. Ou seja, não se trata mais de chorar porque sofremos. E sim de demonstrar, chorando, que sofremos. Ou que somos felizes, não importa.
Se houvesse algum pudor na TV, cortariam imediatamente tanto o nadador que ganhou como o ginasta que perdeu. Mas a TV, ontologicamente, é destituída de pudor. Ela não reconhece a intimidade. Ela a destrói para que o lugar-comum triunfe. Para que da dor (ou alegria) de alguém se instaure um efeito de contágio que se traduza em pontos do ibope.
Somos o país da TV e, por isso, o país do choro, reduzido ao signo dramático mínimo, ínfimo. Quem não chora só pode ser vilão, um ser destituído de sentimentos.
Então, só para terminar, lembro um tempo em que as novelas eram no rádio e tinham dignidade (vai ver que porque não eram na TV), e havia uma chamada "Teresa, a que nunca chorou". E faziam todas as sacanagens do mundo com a tal Teresa, mas ela não chorava. Levou uns 100 capítulos para, finalmente, Teresa chorar. Havia uma noção de dignidade em meio à dureza da vida na Teresa, na novela, na novelista e nos ouvintes.
O mundo não era esse inferno choroso. Havia pessoas que morriam de mágoa, mas ninguém nem sabia qual era a mágoa. Bom, estou ficando passadista. Nisto eu sou mesmo. Até breve.
INÁCIO ARAUJO
Somos campeões de choro. Na Olimpíada, o que ganhou chora. O que perdeu também chora.
Fora, o sujeito que teve o filho morto chora. E o sujeito cujo filho virou assassino também chora.
Houve um tempo em que as pessoas se escondiam para chorar. Quando a voz embargava, por qualquer razão, procuravam sair de cena.
Foram as novelas que mudaram isso. No mundo, a vida imita a arte. Aqui, a vida imita as novelas vagabundas. As novelas fizeram de chorar um valor.
Primeiro entre os atores. O momento do choro era o grande momento dramático. Tão importante que era possível perceber no rosto que o ator já não lembrava do personagem. Numa espécie de delírio narcisista, apenas exibia as lágrimas, prova de sua competência profissional e do sofrimento do personagem.
Foi depois que vieram as reportagens (acho). Os repórteres chegam, em geral na periferia, para o cara que tinha perdido tudo na enchente, a casa, os móveis, o cachorro, tudo e perguntam: "Como é que o senhor está se sentindo?" E o fulano, coitado, começa: "Perdi tudo que tinha, tudo que construí...". E cai no choro, o que é justo. Mas trata-se de um choro sordidamente induzido, nada mais.
Com o tempo, todos nos convencemos de que chorar é um signo natural de sofrimento. Ou seja, não se trata mais de chorar porque sofremos. E sim de demonstrar, chorando, que sofremos. Ou que somos felizes, não importa.
Se houvesse algum pudor na TV, cortariam imediatamente tanto o nadador que ganhou como o ginasta que perdeu. Mas a TV, ontologicamente, é destituída de pudor. Ela não reconhece a intimidade. Ela a destrói para que o lugar-comum triunfe. Para que da dor (ou alegria) de alguém se instaure um efeito de contágio que se traduza em pontos do ibope.
Somos o país da TV e, por isso, o país do choro, reduzido ao signo dramático mínimo, ínfimo. Quem não chora só pode ser vilão, um ser destituído de sentimentos.
Então, só para terminar, lembro um tempo em que as novelas eram no rádio e tinham dignidade (vai ver que porque não eram na TV), e havia uma chamada "Teresa, a que nunca chorou". E faziam todas as sacanagens do mundo com a tal Teresa, mas ela não chorava. Levou uns 100 capítulos para, finalmente, Teresa chorar. Havia uma noção de dignidade em meio à dureza da vida na Teresa, na novela, na novelista e nos ouvintes.
O mundo não era esse inferno choroso. Havia pessoas que morriam de mágoa, mas ninguém nem sabia qual era a mágoa. Bom, estou ficando passadista. Nisto eu sou mesmo. Até breve.
11 Comments:
Ainda bem que o senhor não dá bola para as presepadas que escrevemos e continua fazendo o que quer fazer. Só sei que daqui a algum tempo um desocupado vai entrar aqui e escrever algum comentário inflado sobre o filme do batman, e lá vou eu escrever outra carriolada de bobagens.
No fundo todos somos passadistas, pois as memórias são as únicas coisas que realmente temos certeza de ter. Vejo pessoas da minha idade com saudades de programas de tv idiotas e falando a respeito de pessoas ligeiramente mais novas que elas como se não tivessem passado pelos mesmo eventos que ela. Vai ver que é coisa do nosso tempo.
By sensei allegro, at 1:19 PM
esse chorão morreu de rir com o post.
tudo é excessivo nos dias de hoje.
não há tempo, preparação, ócio...
tudo é excessivo e sem graça.
quanto ao Batman "Sr. Allegro" eu sinceramente não sei.
Batman Begins era uma porcaria esse novo ainda não vi.
o Homem Aranha, esse sim é um baita de um chorão.
By Anonymous, at 3:21 PM
boa, Inácio.
o choro na tv - no jornal, na novela, no seriado, no reality show - é a catarse final, é a ejaculação emocional que o ator, âncora, apresentador, busca através da punheta da espectativa. depois do choro todos podem se limpar e ir embora. o espectador já gozou às suas custas.
complementar a isso essa grande tristeza coletiva que nos assombra, que assompra nossa Sociedade do Espetáculo, é a Cultura de Morte Anunciada, é o Oeste sabendo que está no fim, que vai dar lugar a algo novo.
é o choro pela própria incapacidade de entender a si mesmo, seus adolescentes que se matam quando têm tantas facilidades, que se matam quando não têm nenhuma, seus adultos frustrados pela vida merda que levam, uma cultura suicida que não vê saída.
precisamos de mitos modernos na Cultura Pop que parem de se auto-lamentar e de ter tanta piedade de si mesmo, que engula um pouco o choro da desgraça e da dificuldade e comece a trabalhar isso de forma mais produtiva e realmente heróica.
By hectorlima, at 7:57 PM
Inácio,concordo com o Hectorlima.Esse choro que você descreveu é o do incapacidade de analisar a si mesmo e também o da incapacidade de um país entender a si mesmo.Raramente neste nação essa duas habilidades que o Machado de Assis tinha de sobra ressurgiram.Por tudo isso seu texto sobre o Roteiro "Capitu" é uma jóia.Lá encontramos uma visão que ajuda a esclarecer esse país produtor de leitores e espectadores improváveis.Lá encontramos a tentativa de um homem entender sua própria condição de crítico de cinema que a uns pode parecer um trabalho menor,mas alguém tem que exercer a função necessária de colocar as profundidades ou as idéias da torres de marfim na matéria,nos gestos,no chão,na superfície.
By jose, at 5:09 AM
P.S.:Agradeço ao Diego e ao Allegro que me ajudaram a entender dimensão do crítico Inácio Araújo.
By jose, at 5:20 AM
Lendo esse post, lembrei-me de uma artigo do Contardo Calligaris de algumas semanas atrás. Ele falava da facilidade com que algumas (na verdade, a maioria das pessoas) dizem "eu te amo". Dizia ele que há dois tipos de declarações. O sujeito pode olhar para o céu e fazer uma constatação objetiva como "está chovendo", "está nublado, "que dia ensolarado" – em outra palavras, a declaração não pretende alterar a realidade, é uma mera constatação de como esta se apresenta. Por outro lado, há declarações estritamente subjetivas; declarações que não constatam, mas modificam uma realidade. É o caso do sujeito que afirma "declaro guerra", pois a guerra, que não existia antes, passa a existir (e passa a existir forçosamente) a partir do momento em que ele a declara. Feita essa distinção, Contardo Calligaris acredita que quando uma pessoa diz "eu te amo" ela não está constatando uma realidade que já existia antes da declaração, não é algo como um céu nublado, ou uma chuva, ou uma manhã ensolarada. Ele afirma que as pessoas dizem "eu te amo" numa tentativa de forçar o nascimento de um sentimento que não existia antes. Não há pessoas que declaram guerra? Do mesmo modo, há pessoas que, com igual violência, declaram amor. Como se uma história vivida entre um homem e uma mulher (ou entre dois homens, ou entre duas mulheres – sejamos politicamente corretos) só ganhasse legitimidade e autenticidade após ambos dizerem, entre lágrimas e sorrisos enternecidos, "Eu te amo".
O mesmo vale para o choro. A mídia (e o público em geral) só acredita na dor da derrota e na emoção da vitória após a instauração de um vale de lágrimas. A emoção contida, a dor reprimida, o vencedor que quer ficar solitário porque não se sente em paz consigo mesmo – tudo isso sempre será recebido com incompreensão, e não apenas apenas pelo público brasileiro. É preciso haver choro, é preciso haver emoção. Se quando alguém diz "eu te amo" o amor é declarado a realidade é modificada, quando alguém chora o que há é uma declaração de emoção ("Faça-se a emoção", parece dizer uma voz secreta e peremtória) e tanto a vitória como a derrota ganham legitimidade e geram aquela cumplicidade fácil e canalha.
p.s: não sei como é a cobertura das Olímpidas em outros países, mas duvido muito que o monopólio das lágrimas seja exclusivo do Brasil. Basta ver programas como "Extreme Makeover".
By Anonymous, at 10:58 AM
Li o post duas vezes, os comentários também, e ainda não consegui entender o que tem de tão grave o nadador e o ginasta chorarem por causa da vitória e da derrota... Colocar o choro canastrão de um galã de novela no mesmo patamar que as lágrimas verdadeiras de um cara que, depois de tantos anos de treino, tantas horas por dia, comete um erro fatal no final de uma série irretocável, é, no mínimo, injusto, pra não dizer incoerente. sexo dos anjos não, por favor...
By Marenrique, at 4:41 AM
marenrique
O problema não é nem tanto chorar. Até aceito isso. Se for uma expressão verdadeira, algo que aconteceria de qualquer forma. Mas nessa Olímpiadas vi várias vezes o seguinte procedimento: após determinada prova, as câmeras e o repórter chegavam em determinado atleta logo após a sua perfomance (antes de ele ter tido tempo de digerir sua vitória ou derrota) e pediam uma declaração, o sujeito falava meia dúzia de lugares comuns (lutei muito, me esforcei, não deu, fica pra próxima, vi o meu esforço recompensado, etc) e então o repórter, vendo que não havia emoção suficiente, falava algo do tipo "e o que você diz agora para o seu filho e a sua mulher? tem uma equipe na sua casa agora e eles estão te ouvindo", ou então diziam "coloca o fone do ouvido que o seu filho vai falar com você"", e aí começava o chororô
quanto ao sexo dos anjos - todo mundo sabe que eles são gays
By Anonymous, at 7:16 AM
marenrique:
O problema não é chorar, é capitalizar e diluir a importância do ato.
Mas se vc acha normal as câmeras da globo invadindo a privacidade da família dos atletas, esquadrinhando cada possibilidade de medalha e apelando de forma boçal para um sentimentalismo hipócrita, o Galvão falando as suas cretinices habituais, então não posso fazer nada.
By sensei allegro, at 7:50 AM
Daniel: onde é que está esse texto sobre o roteiro de capitu? Fiquei com vontade de ler.
By sensei allegro, at 8:36 AM
Diego,acho que é um dever cívico postar aqui o texto do Inácio na Folha sobre o roteiro "Capitu".
By jose, at 4:24 PM
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