“BELEZA AMERICANA” É OPORTUNISTA E TEATRAL
INÁCIO ARAUJO
Na saída de "Beleza Americana", a primeira reação de muitos espectadores (especialmente os que viveram nos EUA) é dizer: "Os americanos são assim". Talvez seja esse o ponto forte e, ao mesmo tempo, o ponto fraco do filme de Sam Mendes.
Ponto forte: o argumento aborda a vida típica de uma família de subúrbio rico, suas mazelas, brigas, ambições, relações com a mitologia, tão típica, do "winner" etc.
Como se refere a todos e a ninguém, a qualquer lugar e a lugar nenhum, o filme permite a identificação imediata de comportamentos, postula-se como crítico e, ao mesmo tempo, não incomoda a ninguém em particular. Essa qualidade ajuda a fazer de filme um favorito ao Oscar.
Ponto fraco: tudo que é típico tende ao genérico, e o genérico nunca foi matéria propícia ao cinema (embora o seja ao teatro, de onde vem Sam Mendes). O cinema não gosta de "qualquer lugar", nem de "qualquer pessoa". Quando trata de um certo lugar e de pessoas determinadas, tende a ganhar em precisão.
Obviamente, esse ponto de vista pode passar facilmente por dogmático. Com efeito, não existe lei a dizer que filmes, para ser bons, devem se referir a pessoas e lugares precisos, que devem ir do particular ao geral e não o contrário.
Mas observe-se a démarche de Kevin Spacey, o pai de família frustrado em mais ou menos todos os campos da vida: de uma tacada, ele manda o trabalho para os ares, realiza velhos sonhos (como comprar um carrão vermelho) e se apaixona por uma ninfeta, amiga de sua filha. Ele não é um homem, é mais o protótipo da revolta contra a mediocridade e a hipocrisia da vida comum. Daí o filme permitir ao espectador uma identificação fácil, mas também confortável, com o personagem. Aquele homem é alguém que conhecemos, mas nunca nós. O filme pode ser qualificado de "provocativo", mas nunca é a nós que provoca ou questiona, é sempre a outra pessoa.
Também a personagem de Annette Bening é típica: histérica, frustrada pessoal e profissionalmente, buscando desesperadamente uma maneira de sobressair em seu trabalho.
Poderia ser uma personagem tocante, mas não é assim que Sam Mendes entende as coisas. Quando ela sai com um outro corretor de imóveis (o rei da corretagem) e tem uma relação sexual com ele, o diretor entende colocá-la numa posição ridícula, gritando ridiculamente, como se fosse necessário enfatizar a deselegância tão própria dela, e que esconde sob uma capa de bons modos. Mas, vamos convir, quanta deselegância.
A ninfeta é uma menina narcisista até o último fio de cabelo loiro (naturalmente), cuja grande preocupação na vida é seduzir quem se encontra ao seu redor.
Não falemos dos demais personagens, como a filha revoltada, o general repressivo (que se revelará diferente do que aparenta), cujo filho é traficante de drogas.
Digamos apenas que o filme começa com um belo plano aéreo da localidade em que se passa a história. Plano que de certa forma resume o filme. O trabalho de Sam Mendes consiste em olhar seus semelhantes de cima para baixo, sem se envolver com eles.
"Beleza Americana" é um filme tão blasé e superficial quanto atraente. Trabalha a partir de um belo roteiro (embora não muito original, pois semelhante em vários aspectos a "Movidos pelo Ódio", de Elia Kazan, como já observado com propriedade).
Sua principal vantagem é ter Kevin Spacey, ator de primeiríssima linha, na cabeça do elenco e coadjuvantes bem dirigidos. Mas é, basicamente, um filme oportunista e teatral, no mau sentido da palavra.
Para terminar: pessoas ligadas ao teatro lembram que a fama de Sam Mendes na Broadway é a de um ótimo diretor de atores, porém não audaz ou inovador. Seria antes um representante do "teatrão". Seu filme confirma bem essa impressão.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 26 de fevereiro de 2000)
INÁCIO ARAUJO
Na saída de "Beleza Americana", a primeira reação de muitos espectadores (especialmente os que viveram nos EUA) é dizer: "Os americanos são assim". Talvez seja esse o ponto forte e, ao mesmo tempo, o ponto fraco do filme de Sam Mendes.
Ponto forte: o argumento aborda a vida típica de uma família de subúrbio rico, suas mazelas, brigas, ambições, relações com a mitologia, tão típica, do "winner" etc.
Como se refere a todos e a ninguém, a qualquer lugar e a lugar nenhum, o filme permite a identificação imediata de comportamentos, postula-se como crítico e, ao mesmo tempo, não incomoda a ninguém em particular. Essa qualidade ajuda a fazer de filme um favorito ao Oscar.
Ponto fraco: tudo que é típico tende ao genérico, e o genérico nunca foi matéria propícia ao cinema (embora o seja ao teatro, de onde vem Sam Mendes). O cinema não gosta de "qualquer lugar", nem de "qualquer pessoa". Quando trata de um certo lugar e de pessoas determinadas, tende a ganhar em precisão.
Obviamente, esse ponto de vista pode passar facilmente por dogmático. Com efeito, não existe lei a dizer que filmes, para ser bons, devem se referir a pessoas e lugares precisos, que devem ir do particular ao geral e não o contrário.
Mas observe-se a démarche de Kevin Spacey, o pai de família frustrado em mais ou menos todos os campos da vida: de uma tacada, ele manda o trabalho para os ares, realiza velhos sonhos (como comprar um carrão vermelho) e se apaixona por uma ninfeta, amiga de sua filha. Ele não é um homem, é mais o protótipo da revolta contra a mediocridade e a hipocrisia da vida comum. Daí o filme permitir ao espectador uma identificação fácil, mas também confortável, com o personagem. Aquele homem é alguém que conhecemos, mas nunca nós. O filme pode ser qualificado de "provocativo", mas nunca é a nós que provoca ou questiona, é sempre a outra pessoa.
Também a personagem de Annette Bening é típica: histérica, frustrada pessoal e profissionalmente, buscando desesperadamente uma maneira de sobressair em seu trabalho.
Poderia ser uma personagem tocante, mas não é assim que Sam Mendes entende as coisas. Quando ela sai com um outro corretor de imóveis (o rei da corretagem) e tem uma relação sexual com ele, o diretor entende colocá-la numa posição ridícula, gritando ridiculamente, como se fosse necessário enfatizar a deselegância tão própria dela, e que esconde sob uma capa de bons modos. Mas, vamos convir, quanta deselegância.
A ninfeta é uma menina narcisista até o último fio de cabelo loiro (naturalmente), cuja grande preocupação na vida é seduzir quem se encontra ao seu redor.
Não falemos dos demais personagens, como a filha revoltada, o general repressivo (que se revelará diferente do que aparenta), cujo filho é traficante de drogas.
Digamos apenas que o filme começa com um belo plano aéreo da localidade em que se passa a história. Plano que de certa forma resume o filme. O trabalho de Sam Mendes consiste em olhar seus semelhantes de cima para baixo, sem se envolver com eles.
"Beleza Americana" é um filme tão blasé e superficial quanto atraente. Trabalha a partir de um belo roteiro (embora não muito original, pois semelhante em vários aspectos a "Movidos pelo Ódio", de Elia Kazan, como já observado com propriedade).
Sua principal vantagem é ter Kevin Spacey, ator de primeiríssima linha, na cabeça do elenco e coadjuvantes bem dirigidos. Mas é, basicamente, um filme oportunista e teatral, no mau sentido da palavra.
Para terminar: pessoas ligadas ao teatro lembram que a fama de Sam Mendes na Broadway é a de um ótimo diretor de atores, porém não audaz ou inovador. Seria antes um representante do "teatrão". Seu filme confirma bem essa impressão.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 26 de fevereiro de 2000)
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