LONGA ANGUSTIA COM FALTA DE CONCLUSÃO SOBRE CRIME
INÁCIO ARAUJO
A arte de "Elefante" consiste menos em tratar um determinado assunto (um massacre num colégio numa pequena cidade americana) do que em evitá-lo.
Evitá-lo, no caso, significa, por exemplo, começar por onde o filme começa: um carro que avança aos trancos e barrancos por uma rua, ameaçando subir na calçada.
Logo sabemos que se trata do pai de um dos alunos do colégio onde acontecerá o massacre. "Elefante" acompanhará o dia desse garoto e o de outros protagonistas e coadjuvantes da tragédia.
A vida escolar é vista sob vários ângulos, a partir de cada personagem, ou antes: de como cada personagem vive o dia do massacre. Dito assim, pode-se esperar pelo pior: uma imitação do "Rashomon", de Akira Kurosawa, misturada com uma imitação de "Um Dia de Cão", de Sidney Lumet.
É a armadilha das relações de causa e efeito que o filme desarma cuidadosamente. Ou antes, há uma explicação óbvia: nos EUA é mais fácil comprar armas do que brinquedos - o que nada esclarece. É como se Gus van Sant se recusasse a aceitar as explicações fáceis, essas que tanto podem responsabilizar o país inteiro (tipo "Beleza Americana"), como realizar incursões voyeurísticas que tentam se passar por explicação de certas patologias (como "Felicidade", de Todd Solondz) ou buscar analogias entre os jovens autores do massacre e o nazismo.
É isso que existe de desconcertante no filme: ele contraria não só nossos hábitos cinematográficos como nossa crença de que a arte explica e, ao fazê-lo, redime. Nada em "Elefante" explica - essa é a angústia, esse é o carma que devemos carregar ao longo da projeção e mesmo depois, na saída: não há muito nada a dizer, nada a comentar ou a discutir. As coisas estão lá e são irredutíveis.
Existe um mistério, mas nem é dos personagens. Pode-se argumentar que os assassinos são dois energúmenos. Mas será isso o bastante para justificar o ato? É verdade que vivem numa sociedade violenta. Mas isso vale para Nova York ou Chicago, não para uma pequena e aparentemente bem resolvida comunidade.
Se omite conclusões, segue os alunos fotograma a fotograma, não raro com a câmera flutuando atrás ou ao lado deles, detidamente. É menos nas conclusões e mais nas questões que sugere que está sua originalidade.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 02 de abril de 2004)
INÁCIO ARAUJO
A arte de "Elefante" consiste menos em tratar um determinado assunto (um massacre num colégio numa pequena cidade americana) do que em evitá-lo.
Evitá-lo, no caso, significa, por exemplo, começar por onde o filme começa: um carro que avança aos trancos e barrancos por uma rua, ameaçando subir na calçada.
Logo sabemos que se trata do pai de um dos alunos do colégio onde acontecerá o massacre. "Elefante" acompanhará o dia desse garoto e o de outros protagonistas e coadjuvantes da tragédia.
A vida escolar é vista sob vários ângulos, a partir de cada personagem, ou antes: de como cada personagem vive o dia do massacre. Dito assim, pode-se esperar pelo pior: uma imitação do "Rashomon", de Akira Kurosawa, misturada com uma imitação de "Um Dia de Cão", de Sidney Lumet.
É a armadilha das relações de causa e efeito que o filme desarma cuidadosamente. Ou antes, há uma explicação óbvia: nos EUA é mais fácil comprar armas do que brinquedos - o que nada esclarece. É como se Gus van Sant se recusasse a aceitar as explicações fáceis, essas que tanto podem responsabilizar o país inteiro (tipo "Beleza Americana"), como realizar incursões voyeurísticas que tentam se passar por explicação de certas patologias (como "Felicidade", de Todd Solondz) ou buscar analogias entre os jovens autores do massacre e o nazismo.
É isso que existe de desconcertante no filme: ele contraria não só nossos hábitos cinematográficos como nossa crença de que a arte explica e, ao fazê-lo, redime. Nada em "Elefante" explica - essa é a angústia, esse é o carma que devemos carregar ao longo da projeção e mesmo depois, na saída: não há muito nada a dizer, nada a comentar ou a discutir. As coisas estão lá e são irredutíveis.
Existe um mistério, mas nem é dos personagens. Pode-se argumentar que os assassinos são dois energúmenos. Mas será isso o bastante para justificar o ato? É verdade que vivem numa sociedade violenta. Mas isso vale para Nova York ou Chicago, não para uma pequena e aparentemente bem resolvida comunidade.
Se omite conclusões, segue os alunos fotograma a fotograma, não raro com a câmera flutuando atrás ou ao lado deles, detidamente. É menos nas conclusões e mais nas questões que sugere que está sua originalidade.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 02 de abril de 2004)
1 Comments:
Há críticas publicadas do IA sobre "Felicidade" e "Beleza Americana" ? Assim como "Elefante", são filmes que eu prezo muito e parece-me que ele não viu com bons olhos "Felicidade"...
By Anonymous, at 10:56 AM
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