Canto do Inácio

Monday, June 15, 2009

FILME FUTURISTA SE APROXIMA DOS VELHOS FAROESTES
INÁCIO ARAUJO


Uma transferência de prisioneiro é questão central de "Fantasmas de Marte", ficção científica em que já se detectaram semelhanças com o faroeste "Rio Bravo - Onde Começa o Inferno", de Howard Hawks.

À parte o faroeste remeter ao passado e a ficção científica ao futuro, temos aí dois gêneros próximos, ambos construídos em torno da ocupação de espaços. No filme de John Carpenter trata-se de Marte, portanto daquela paisagem de uma aridez que poucos faroestes aspiraram representar. E estamos no ano dois mil cento e cacetada, quando, a rigor, qualquer coisa é viável.

Mas o mal-estar presente em cena nada tem de um futuro incerto. É do presente que se trata. E da ficção científica, Carpenter evolui -após agitar quase todos os gêneros cinematográficos existentes - para o terror.

Alguns continuam pensando no século 22 ou 23. Mas o seu terror é mesmo do presente.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 30 de outubro de 2006)

LIBERDADE DE "HATARI!" SUPRE SUAS FALHAS
INÁCIO ARAUJO


"Hatari!" não podia ser senão um filme improvisado, pois, como dizia Howard Hawks, seu diretor e produtor, não se pode jamais saber o que fará um rinoceronte durante uma caçada. Portanto, a vida desses caçadores é feita de imprevistos e improvisos, como a dos cineastas, no caso.

Sabe-se que para Hawks o maior imprevisto na vida de um homem é uma mulher. Ela surge aqui na pele de Elza, a fotógrafa enviada pelo zoológico para o qual trabalham os caçadores. John Wayne, o líder deles, gostaria de vê-la à distância, mas não pode. Vai, é claro, apaixonar-se pela garota.

O filme tem uma estrutura moderníssima: uma série de cenas de caça, no meio das quais se desenvolve a história. Ou antes, um núcleo de eventos que pode até, por vezes, desembocar numa história. Mas a estrutura é deliberadamente frouxa, abre-se a todas as mudanças de roteiro possíveis.

Melhor, porque assim um filme que em vários aspectos foi pensado para se parecer com outros filmes de Hawks não se parece com nenhum, nem com "Rio Vermelho", nem com "Uma Garota em Cada Porto". Essa liberdade foi permitindo captar as coisas à medida que aconteciam. E suprimir o que falhava, como Michèle Girardon, atriz que faz Brandy.

Há quem diga que o papel murchou porque ela não deu bola ao assédio do diretor. O tempo provou que, à parte disso, Girardon era uma atriz fraca.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 08 de junho de 2008)

Thursday, June 04, 2009

"SÃO PAULO S/A" ANTEVÊ AS PIORES QUESTÕES DA CIDADE
INÁCIO ARAUJO

Talvez tudo o que de pior se pudesse prever para São Paulo estivesse em germe em "São Paulo S/A", de Luiz Sérgio Person (1965): a impessoalidade, as multidões, a tomada da paisagem pelo concreto são fatos muito claros para passarem em branco.

Da mesma forma, as relações pessoais são toldadas por uma dinâmica industrial que, por conforto e para resumir, podemos chamar de inumana. No entanto, existe ali algo como uma utopia que também transparece. Os aspectos negativos são como se fossem o preço a pagar pelo crescimento, pela ruptura com o atraso.

Seja nas fábricas, nos edifícios ou nas praças da cidade, existe uma aspiração à beleza a refletir algo que está nos personagens, mas também nas multidões que ocupam as ruas. Permita-me o pessimismo: não é isso que se deixa ver nos filmes mais recentes. Nem nas ruas. E nem nos monstrengos arquitetônicos que o eufemismo designa por "torres".

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 04 de abril de 2007)