Canto do Inácio

Thursday, September 27, 2007

DJIN NO "SONHO"
INÁCIO ARAUJO

Todo mundo sabe que eu resisto muito a teatro. Mas fui ver e me pareceu impecável a montagem do "Sonho" de Strindberg com a Djin Sganzerla e direção de André Guerreiro Lopes.

O André é marido da Djin. E a peça é para ela, que está muito bem.

Mas a questão da luz e da cenografia ali era bem complicada e foi muito bem resolvida.

Bom, este é o último fim de semana da peça. De maneira que se vocês, maníacos por cinema, quiserem dar uma variada em vossas vidas, é o seguinte:

Teatro São Caetano (na r. Borges Lagoa, Vila Clementino)
Sexta e sábado, 21h.
Dom., 19h.

Monday, September 24, 2007

WERNER HERZOG FILMA SUA RELAÇÃO COM KLAUS KINSKI
INÁCIO ARAUJO

Se não fosse por Werner Herzog, Klaus Kinski nunca seria conhecido como, provavelmente, o maior ator alemão de cinema desde o pós-guerra. Teria seu nome ligado, quando muito, à figura vilanesca de certos faroestes espaguete, em geral vagabundos.

Não que, com Herzog, Kinski tenha abandonado a postura de vilão: ele foi o ensandecido Aguirre, de "Aguirre, a Cólera dos Deuses" (1972), o temível vampiro em "Nosferatu" (1979), o visionário Brian Fitzgerald, de "Fitzcarraldo" (1982). Os papéis mais marcantes de sua vasta filmografia foram em parceria com Herzog.

No campo de filmagem, Kinski era uma carne de pescoço. Já se conhecia a história de "Aguirre". Com a filmagem em pleno andamento, Klaus Kinski resolveu, simplesmente, abandonar o trabalho e deixar a Amazônia.

Só mudou de idéia porque Herzog lhe apontou uma arma de fogo e disse, com seu jeito calmo, que, se quisesse sair dali, sairia, mas morto. Herzog conta pessoalmente o episódio em "Meu Melhor Inimigo" e completa: "E eu teria mesmo atirado".

Quer dizer: para louco, louco e meio. E Werner Herzog nunca foi conhecido por ser muito equilibrado. Talvez venha daí a química fabulosa que rendeu alguns dos melhores filmes do cinema alemão recente. Para que tudo desse certo no final, talvez fosse necessário que as relações entre Herzog e Kinski fossem sempre tempestuosas.

Daí vem também boa parte do encanto deste filme-homenagem ao ator (que morreu em 1991). Herzog empenha-se sinceramente em nos fazer conhecer como era Klaus Kinski, seu jeito irado (desde a juventude, quando ainda era candidato a ator), seu brilho e sua personalidade única.

Mas não apenas isso. "Meu Melhor Inimigo" também se detém sobre a técnica de Kinski e, nesse sentido, é uma magnífica aula de interpretação no cinema.

No entanto, é desse título estranho que vem o essencial do filme. Todo mundo tem um amigo especial. Poucos têm um inimigo do peito como Klaus Kinski. Isto é, a afinidade entre ambos parecia vir não das semelhanças, mas daquilo que os diferenciava.

Kinski era, com o perdão do lugar-comum, um vulcão em atividade permanente, sempre questionando o mundo. Herzog é, ao contrário, um contemplativo, que observa o mundo e suas bizarrices, que as aceita e trabalha a partir delas.

Por isso mesmo Kinski, mais que ator, era, já em vida, um personagem de Herzog.

Morto, essa condição chega a uma espécie de plenitude. É como se Herzog sentisse a morte de seu melhor inimigo - de seu antípoda - como sua própria morte. Talvez daí venha o carinho que o filme transmite, como se quisesse recuperar essa vida que foi, na verdade, um pesadelo.

Daí também esse movimento ambíguo do filme: em princípio um documentário, ele parece trabalhar não com a "realidade" de Kinski, mas com sua irrealidade, com tudo o que faz dele um personagem, um ser de ficção. E, diga-se logo, de uma ficção fantástica e alucinada.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 09 de fevereiro de 2001)

Wednesday, September 19, 2007

"HOMEM URSO" VÊ A NATUREZA CAÓTICA
INÁCIO ARAUJO

Em sua juventude, Werner Herzog foi a pé da Alemanha até Paris, numa espécie de penitência pelo restabelecimento da historiadora Lotte Eisner. Ninguém estranhará que um homem capaz disso tenha se interessado por Timothy Treadwell, o homem que optou por viver entre os ursos do Alasca durante os meses de verão, todos os anos. É a ele que dedicou seu "O Homem Urso". Treadwell foi, em certo momento, uma espécie de celebridade nos Estados Unidos, por seu ativismo pela preservação do urso polar, que defendia solitariamente dos caçadores. Mas era mais do que isso. Treadwell registrou suas expedições em vídeo, e, nelas, o que se vê é bem mais do que um ecologista: é alguém que se identificou profundamente com os ursos, que os tratava por amigos, que lhes dava nomes, que procurava compreendê-los. Até que em 2003 morreu, vítima de um urso.

Lembremos que Herzog desenvolveu uma notável obra de ficcionista, entre os final dos anos 60 e meados dos 70 do século passado. Quando essa obra começou a esgotar, Herzog encontrou no documentário um refúgio seguro. Alguns de seus personagens, do ator Klaus Kinski a Treadwell, têm todas as vantagens de um personagem de ficção, mesmo que não o sejam. Em suma, por meio deles, Herzog continua a manifestar seu pasmo diante do mundo e, sobretudo, diante da natureza que ele vê caótica e conflitiva. Ele mesmo faz esse comentário ao longo do filme: Treadwell observa a natureza como algo sagrado, uma entidade ordenada e superior - em oposição ao mundo precário dos homens. Parece até que Treadwell é o alemão, não Herzog.

Mas Herzog é um hábil narrador, e essa é a virtude que torna seu filme bastante especial. Pois para ele se trata, antes de mais nada, de entender quem é Treadwell. Em vez de preencher os sentidos rapidamente, de se pôr contra ou favor dele, Herzog a cada rolo promove uma espécie de reviravolta, acrescentando novas facetas e ampliando a complexidade de Treadwell. Podemos vê-lo sucessivamente como homem simples, despojado, ecologista, cineasta, amante de ursos, homem vaidoso, menino de ouro, drogado, problemático.

Quase todas essas facetas trazem, em comum, uma rejeição da convivência humana e, em troca, uma exaltada adesão ao mundo natural, em particular o dos ursos, aos quais atribui quase uma civilização, porém perfeita, "natural", enquanto a dos humanos seria um paradigma de precariedade. A fascinante investigação de Herzog tem o mérito de colocar o espectador em liberdade diante das inúmeras facetas de Treadwell, num filme que se serve, na maior parte do tempo, das imagens criadas pelo próprio Treadwell. Por meio dele, manifesta-se esse estranhamento do mundo que Werner Herzog tanto cultiva, essas situações aparentemente sem explicação (e profundamente, talvez, também), esses seres que buscam o limite da existência, para os quais muito mais importante do que o resultado é a trajetória, muito mais relevante do que a descoberta é a busca.

Talvez sejam eles que mantenham o mundo vivo. Em todo caso, isso é certo, são eles que mantêm Herzog em ação.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 02 de junho de 2006)

Thursday, September 13, 2007

"BUBBLE" E "O GRANDE CHEFE"
INÁCIO ARAUJO

"Bubble" me pareceu oportunista e idiota.

O final demagógico (não vou contar aqui) é o corolário de tudo.

"O Grande Chefe" é muito engraçado e inventivo, bem melhor que os últimos Lars von Trier.

Tuesday, September 11, 2007

TRÊS FILMES BRASILEIROS
INÁCIO ARAUJO

Primeiro foram as dores nas costas. Depois, uma gripe seguida de ataque de sinusite. Enfim, nenhuma disposição para escrever além de tudo que tenho de escrever.

Com isso, ficaram para trás alguns filmes brasileiros significativos.

Tentando recuperá-los rapidamente.

SANEAMENTO BÁSICO

O título é uma merda. O filme, cem vezes melhor.

Me parece que o Jorge Furtado é um desses caras de quem vamos admirar mais a obra do que cada filme em particular.

Seu cinema narrativo não é nada ingênuo, é bem moderno. Talvez um dos raros modernos no Brasil, quer dizer, que não fazem aquele cinema de 1940.

Teria um diálogo melhor com o público se houvesse confiança entre o público e o cinema. O fato é que ele confia no público. Merecia que o público confiasse nele também.

Parece que não foi bem de bilheteria. E alguém vai? Até algum tempo atrás era um suplício entrar no cinema no fim de semana. Agora já não está sendo. Pelo menos para mim.

SANTIAGO

Belo documentário, este do João Moreira Salles.

PEDRA DO REINO

Havia alguma coisa morta no "Lavoura Arcaica", que no entanto era um filme muito bonito.

Este "A Pedra do Reino", à parte ser um equívoco histórico, é pernóstico como TV e inútil como cinema. Noves fora, é tudo campo/contracampo.

Acho que o LFC devia aproveitar o duplo fracasso (cinema e TV) para repensar um pouco as coisas, porque talentoso ele é.

Sunday, September 09, 2007

BRIAN DE PALMA BUSCA A VERDADE DE UM GRITO
INÁCIO ARAUJO

Tudo se passa em "Blow Out - Um Tiro na Noite" como se o mundo resistisse à representação. Como se repeti-lo, imitá-lo, fosse uma violência à qual a realidade não se acomoda.

Do outro lado, existe o artista. Ou que nome se queira dar a um técnico de som de filmes pornográficos. John Travolta, em suma. Diante da cena em que uma mulher é morta, ele tem a tarefa de descobrir uma voz, um grito correspondente à imagem na tela. A imagem de uma mulher sendo morta.

Um mais conformista, ou mais conformado, escolheria uma boa dublagem e encerraria aí sua busca. Mas estaria no domínio do realismo, não do real. Travolta sabe que o verossímil é uma coisa - é o que parece verdadeiro - e a verdade, outra.

Eis aí seu dilema: ser verdadeiro, não verossímil, não falsamente verdadeiro. Daí deriva toda a aventura que se segue. Mas o importante é a atitude dos profissionais, sobretudo o técnico de som: ele não está preocupado com o público. Ele sabe, a rigor, que o público está interessado nos peitos da atriz, e não no seu grito. Mas o profissional respeitável não trabalha para o público, e sim para sua arte.

É indiferente que esteja fazendo um pornô ou "Lawrence da Arábia": ele está em busca do bom filme, da verdade. Ele não se contentará com a mera convenção.

Não dá para resumir a história desse filme. Quem não viu perderia a surpresa final. Mas quase todo mundo viu e sabe como, ironicamente, a vida se encarregará de satisfazer às buscas de Travolta, e o quanto isso lhe custará.

"Blow Out - Um Tiro na Noite" é um filme inesperado, pois raramente se fez filmes sobre um grito. É também um dos grandes filmes dos anos 80 e talvez o melhor feito por seu autor, Brian de Palma. Um filme a ver ou rever.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de setembro de 2003)

Saturday, September 01, 2007

JOSEPH LOSEY FAZ A DEFESA DA DIFERENÇA
INÁCIO ARAUJO

"O Menino dos Cabelos Verdes" podia ser visto em outros tempos (não necessariamente apenas quando foi feito, em 1948) como uma defesa da diferença, pois tudo gira em torno de um garoto cujos cabelos, de repente, aparecem verdes.

É possível que hoje o filme não tivesse o menor impacto. Primeiro, porque colorir cabelos, de verde inclusive, virou rotina no nosso universo fashion. Segundo, porque criou-se a idéia do politicamente correto, que quase força as pessoas, pela intimidação intelectual, a aceitar o outro.

Aceitar, é verdade, mas não necessariamente compreender. E talvez por isso, por julgar a compreensão necessária, Joseph Losey, o seu autor, tenha precisado, tempos depois, viver na Inglaterra, para fugir de perseguições políticas em seu país.

Ali, desenvolveu longa, bela, frutífera carreira. Morreu em Londres, em 84, aos 75 anos. No MacMahon, tradicional sala de Paris, havia uma foto sua, na "quadra de ases" dos cinéfilos que freqüentavam o cinema.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 29 de agosto de 2007)