Canto do Inácio

Monday, July 30, 2007

CINEASTA ALCANÇA GRANDE MOMENTO COM UMA BELA "EPIDEMIA" DE TRAMAS
INÁCIO ARAUJO

A parte dos espectadores que desconhece a tradição do filme noir não sabe o quanto é difícil seguir a emaranhada intriga de "O Falcão Maltês", por exemplo, ou de "À Beira do Abismo", que, conforme a anedota célebre, nem o roteirista (William Faulkner), nem o diretor (Howard Hawks), nem o autor do livro (Raymond Chandler) sabiam bem do que se tratava.

"Dália Negra" não chega perto disso, mas ali existem dois amigos policiais e uma loira misteriosa, um assassinato sem resolução, mortes em ação que poderiam ser, na verdade, crimes, mulheres fatais assassinadas, milionários sórdidos, política na polícia, a imprensa e suas repercussões.

É uma bela epidemia de tramas e subtramas, capazes de dar um bom filme, com mistério, ação, drama. Algo como "Los Angeles - Cidade Proibida" (1997). Para Brian De Palma, no entanto, isso parecia pouco. Pois para ele o interesse de um filme vem de alguns enigmas que o fascinam. O que é a verdade é um deles. E o que é a verdade num filme noir, onde todos se movem entre aparências, já é um problema e tanto.

Em todo caso, essa é a menor parte da questão. O que fascina De Palma é como promover o encontro entre verdade e cinema. Quando os dois coincidem? Quando uma imagem deixa de ser mera aparência para se tornar verdade?

A trama não é complexa. É apenas complicada. Uma boa parte das coisas que acontecem ali interessa muito aos personagens, mas nada a nós, espectadores. Houve um assassinato.

Trata-se de esclarecê-lo. Ponto. Sim, mas estamos em Hollywood, cidade dos sonhos, onde um bom policial precisa, a cada passo, distinguir a ilusão da realidade, a amizade da traição, o amor do interesse.

No passado, esse tipo de história nos mostrou o lado sombrio dos homens -e, com ele, um sonho americano que se revelava pesadelo. Hoje é diferente: as aparências tomaram conta de tudo. São elas que contam. Buscar a verdade é um ato de bravura, sem dúvida, mas beira a insensatez, pois desafia as leis que governam o mundo.

Isso vale para os heróis policiais, mas vale, sobretudo, para o autor de "Dália Negra", pois não existe acomodação possível para quem busca vencer a barragem das aparências que organizam o poder e o mundo. A verdade custa caro, como sabia o velho Scottie, de "Um Corpo que Cai" (de Hitchcock).

É o que descobrirá também Bucky, paralisado junto de uma escada, enquanto seu parceiro Lee tenta escapar da morte, lá em cima: uma das mais belas cenas filmadas por De Palma em muitos anos e também um desses momentos em que o diretor reencontra uma idéia clássica e a restitui ao tempo presente inteiramente nova.

É quase desnecessário falar aqui da dúzia de outros planos preciosos criados por Brian De Palma, da precisão das composições, da audácia sem-vergonha dos diálogos, do à vontade no trato do submundo (e mesmo da baixeza). Para resumir, talvez seja este o melhor, o mais profundo De Palma desde o começo dos anos 80. Nem todos verão as coisas assim, claro. Para quem gosta de cinema, "Dália Negra" será uma festa; para quem só quer saber da pipoca, um tormento.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 06 de outubro de 2006)

Sunday, July 29, 2007

DOIS FILMES
INÁCIO ARAUJO

Ainda estou acabado, por conta do acidente horroroso de outro dia.

Fui ver "Harry Potter" meio para me refugiar.

Não gostei nem um pouco. Como ficção, esse momento adolescente está muito frouxo. E essa luta bem contra mal é aqui muito, muito bobinha.

E as alusões seguidas a Darth Vader levam a quê, afinal?

Já "Medos Privados", do Resnais, me lembrou muito o "Marienbad". Só que aqui o labirinto é o ponto de chegada. Me impressionou a coerência dele ao filmar, inclusive esse calculado irrealismo, esse artificialismo de que ele gosta tanto, que vem desde os anos 50.

Wednesday, July 25, 2007

TEMPO DE CINEMA
INÁCIO ARAUJO

Há meses o Marcos Flamínio me pediu uma resenha do "Brasil em Tempo de Cinema". Só agora terminei de ler o livro e tenho alguma idéia a respeito. O tempo jornalístico está perdido, mas o do blog talvez não.

O centro do livro consiste na tentativa de sistematizar a grande, rica e diversificada produção brasileira entre o fim dos anos 50 e meados dos 60. Mas por que sistematizar, buscar tão febrilmente elos entre filmes absolutamente distantes?

Me parece que Jean-Claude procurava, antes de tudo, não perder de vista a sociedade em que esses filmes eram produzidos. Essa era a baliza, sem empreender uma análise mecânica (do tipo em que os filmes aparecem, no fim das contas, sempre como sintoma de certos traços de sociedade).

Isso é muito importante, porque a diversidade da produção era um fenômeno inédito e ele também não tinha bibliografia atrás, é um livro inaugural.

E, embora talvez não fosse possível suspeitar na época, é também um livro de história, quer dizer, que tem uma contribuição muito grande como estudo histórico, que é o ponto da produção do JC que eu, pessoalmente, prefiro.

Dizer de sua importância não significa que não tenha problemas. Alguns me parecem que já vinham da época. Há uma rigidez de análise muito grande em determinados momentos. Não vejo sentido em observar que o operário de "O Grande Momento" era alienado, porque no fim queria casar e ser burguês, a não ser o desejo do crítico de se antepor à produção.

Aliás, o que me chama a atenção no episódio, realmente, é que JC falou a respeito com Roberto Santos e este, segundo o livro, parece ter concordado com a crítica.

Vejo aí dois movimentos: a) o desejo de ser aceito leva o cineasta por vezes a concordar com o crítico, por absurdo que seja o que ele diz; b) uma saudável proximidade entre produção e pensamento.

O primeiro é um falso movimento. O segundo, não.

Quando, ao contrário, JC mais se identifica com o filme, a crítica me parece mais plena, mais apaixonada, a análise mais detida. É o caso em especial de "O Desafio" e "São Paulo S/A".

Enorme ambigüidade, tensão, tentativa de compreender, de dominar "Deus e o Diabo", que parece escapar por entre os dedos do crítico. Há filmes assim. JC resolve essa tensão com interpretação que, me parece, não tem nada a ver com o que existe na tela. Essa história de Antonio das Mortes como representação da classe média é fraca, a começar que desconsidera Antonio das Mortes em pessoa. JC não aceita o mistério do personagem, os mistérios, os desvãos do filme.

Por outro lado, é onde se poderia esperar que o livro mais tivesse envelhecido que ele me pareceu mais inteiro. Na análise de que existe uma espécie de destino do cinema brasileiro, que consiste na busca de contato com um público de classe média.

O mundo mudou, o modo de pensar mudou, o cinema mudou. Mas o enigma percebido por este filme - ou seja, a necessidade do filme brasileiro de atingir um público, a dificuldade de fazê-lo, o desafio de consegui-lo - continua intacto.

Friday, July 20, 2007

UM ANO DE CINÉTICA. MARAVILHA!
INÁCIO ARAUJO

Toda hora acho que estou ficando velho. Os filmes dos velhos diretores me parecem em geral muito mais sólidos do que os dos novos, que com freqüência me parecem muito inocentes, no sentido em que parecem conhecer muito pouco a arte que escolheram praticar, como se isso fosse secundário. Disso resulta um cinema antiquado - já estou cheio de me ouvir falar dos filmes anos 40 que fazemos - e, o que é pior, balizado por uma burocracia de péssima qualidade.

Que burocracia é essa? Eis a questão (ou uma delas). No tempo da Embrafilme a gente sabia que, certos ou errados, eram tais e tais pessoas que tomavam a decisão. E agora? Petrobrás? Eletrobrás? BNDES? O que é isso? Chegamos a um sistema de Estado oculto que, francamente, beira o ridículo (o ridículo vem estampado no frontispício desmoralizante, cheio de patrocínios, dos nossos filmes). Existe investimento estatal, sim, só que ninguém pode reclamar, porque vem de renúncia fiscal, decisão da sociedade, iniciativa privada e baboseiras conexas.

Ora, me parece que o governo (o Estado, vá lá) tem dificuldade em assumir essa história porque a classe de cinema não ajuda. Quando criaram o PICTV em S. Paulo foi uma chiadeira notável, porque liquidava a influência de associações classistas, "comissões" etc e tal. Chiaram tanto que o governo se encheu e tirou o dinheiro do cinema e pôs tudo na orquestra, acho, ou em teatro, ou em biblioteca, ou qualquer outra coisa menos visada.

Voltando atrás: gostei muito do "500 Almas", que passou meteoricamente em SP. Gosto muito do Pizzini tratando a natureza (assim como não gosto dele tratando a linguagem, soa falso; quando se envolve com a natureza, a linguagem se impõe naturalmente). Mas, pô, que burocracia infernal. Esse cara já tinha que ter estreado há uns 10 anos. Não é possível assim.

Isso tudo para dizer o seguinte. Outro dia me perguntava o que há de novo no cinema brasileiro. Bem, há gente de talento, há coisas novas, mas novo mesmo, como gesto, é a crítica.

Há algum tempo, os críticos ficavam se queixando de falta de espaço e esse trololó todo, quando os diretores os acusavam de não serem realmente críticos.

Era uma atitude defensiva. De fato, o espaço crítico diminuiu e diluiu-se nos jornais. É um movimento complexo, não importa. O fato é que quando os diretores dizem "ah, não há mais Paulo Emilio", existe muita má fé nisso. É uma maneira de pressão, como a dizer: se fosse o PE falaria bem de mim. Como se PE fosse meio bobo, sacou?

Mas agora existe a internet, existe a Contracampo, a Cinética, existe também a Paisà, que não é site, existe o Cinequanon. São todos feitos por gente que estuda, vai atrás dos filmes, fala de maneira pertinente das coisas etc.

Claro, eu nunca vou compreender porque eles e um Carlos Alberto Mattos, que é pelo menos ótimo crítico, não se entendam.

Mas isso é detalhe. Para mim, é nesse campo que se dá a melhor renovação no Brasil atualmente. É onde existe um rigor que seria interessante perceber em outras áreas.

Enfim, o que eu queria dizer? Parabéns à Cinética. Longa vida. E que esse movimento do pensamento conduza a filmes menos inocentes, menos virgens, que caramba, já está na hora.

Monday, July 16, 2007

NÃO POR ACASO
INÁCIO ARAUJO

O filme 1 de Phillipe Barcinski tem um problema característico de primeiro filme. É como se houvesse uma idéia e tudo tivesse que se encaixar nela. Especialmente os personagens. Daí os movimentos dos personagens serem convencionais. Não há nada de errado com eles. E esse é o problema: sempre existe algo de errado com os seres humanos. Os personagens não chegam a se constituir como humanos. Eles são seres de roteiro.

Um exemplo evidente. O bonitão transa com a primeira garota. Ela está apaixonada por ele. Transa com a segunda. Ela fica apaixonada por ele. Pô, eu sei que ele é um supergalã, mas isso só não basta. As duas são sexualmente tão felizes quanto aparentam ser? Não têm nenhum problema? Ele é que é o máximo e desencanta qualquer garota. Eu queria saber algo sobre isso.

Já o outro cara, o da CET, se encontra com uma mulher e parece que esses dois nunca tiveram nada na vida. Aliás, ele parece que nunca teve nada com ninguém. Ora, me parece que a melhor opção seria a oposta: o bonitão, o gostosão, é um angustiado, com perdas na vida, a mulher vai atrás dele, mas ele não quer nada ou não consegue, etc. Enquanto o outro, o sem-graça, revela-se um demônio na cama. Isso é só um exemplo. Quero dizer apenas que os personagens são previsíveis demais, e que para ter vida é preciso que nos surpreendam, que fujam ao esquema.

Alguns problemas são decorrentes disso, como a interpretação de parte dos atores, que não consegue encarnar de fato os personagens, como os diálogos que, de tão naturalistas, de tão perfeitos em seu naturalismo, acabam soando falsos (porque inexpressivos, muito esperados, porque clichês), ou como o uso da música à maneira de novelas de TV, mesmo a distribuição de cenas à maneira das novelas (núcleo rico, núcleo pobre etc.). Em suma, falta consistência ao filme. Fiquei com a impressão de que o diretor é formado mais pela publicidade e pela TV do que pelo cinema. Mais: o filme se contenta em ser quadrado, impessoal.

Não quer dizer que não vale nada. A idéia da necessidade de controle sobre as coisas (exercido pelos personagens masculinos) me parece muito boa. Merece voltar em outros filmes, porque me parece algo obsessivo na cabeça do diretor. Acho que é algo que ele partilha também, e com muita força, o bastante para ter todas as ações do filme sob controle estrito e, com isso, atropelar a ficção.

Ao mesmo tempo, ele é escorreito. A ação corre limpamente. Os tempos são clássicos (cinema movimento), mas são controlados. A ficção é cinematográfica, depende quase sempre da imagem para existir, não é literária. Enfim, não tive a sensação de perder meu tempo, apesar dos problemas que vejo no filme.

Wednesday, July 11, 2007

CÃO CARETA?
INÁCIO ARAUJO

Na Ilustrada, não nas páginas, mas na Redação, uma polêmica interessante. O Marcos Augusto, o editor, acha “Cão sem Dono” careta, por causa do final: história do rapaz recorrer à família, se entender com ela.

Silvana Arantes, a repórter, diz que não agüenta mais ver famílias desfuncionais no cinema brasileiro. E que adorou justamente o fato de pai e filho se entenderem.

Bom, nessa discussão estou mais para Silvana, um pouco por espírito de contradição. E por que pais e filhos nunca podem se entender no cinema brasileiro?

Na verdade, eu gosto muito daquele livro do Chesterton, “O Homem que Foi Quinta-Feira”. E gosto daquele poeta para quem a coisa mais bonita do mundo é a normalidade. É o funcionamento quieto e normal do estômago que é poético, diz ele (ou algo assim). É muito difícil representar a norma, e muito difícil colocar o personagem masculino naquela situação.

Friday, July 06, 2007

500 ALMAS
INÁCIO ARAUJO

Vendo “500 Almas” lembrei daquela história do Humberto Mauro que, quando ia filmar cachoeira, ficava escondido, bem discreto, senão a cachoeira podia se retrair e não se mostrar.

O respeito do Joel Pizzini pela natureza do Pantanal é dessa ordem, me parece. E à natureza se acrescentem as pessoas. Ele filma o mistério das coisas, o coração das coisas e das pessoas, e não se importa nada em ser didático. Tem um olho impressionante. Nisso ajudam a luz rara do Mário Carneiro e a montagem impressionante da Ide Lacreta.

Não gostei: das intervenções encenadas, com Paulo José quase sempre, que mudam o rumo do filme e estabelecem um desnecessário tom crítico em relação ao Ocidente. As coisas que aconteceram, aconteceram. Sabemos quais são.

Essas entradas não acrescentam nada e levam o filme a um lugar diferente, a um pensamento outro que não o que desenvolve quase todo o tempo. Parecem coisa feita a pedido de produtor.

Mas isso é pouco. Achei deslumbrante.

Thursday, July 05, 2007

FAPESP ENCERRA QUESTÃO
INÁCIO ARAUJO

Para quem acha que essa questão da Fapesp é relevante: a Fapesp retomou a pesquisa interrompida há alguns dias.

Para se informar sobre isso, sugiro o blog do Luis Nassif, que acompanhou o assunto com seriedade.

A Folha deu uma matéria a reter na segunda e, na terça, fez um editorial notável sobre o assunto.

Mas vamos aos filmes, não é? No fundo é a mesma coisa.

Wednesday, July 04, 2007

BURLE
INÁCIO ARAUJO

João Carlos Rodrigues manda recado para lembrar que o Canal Brasil exibe “Também Somos Irmãos”, na quinta-feira (conferir horário: acho que é 21h). É um filme raro do José Carlos Burle, com roteiro de Alinor Azevedo e Grande Otelo no papel principal. Eu o vi há alguns anos. Cada vez que vejo filme do Burle fico com boa impressão, seja lá o gênero que for.

Monday, July 02, 2007

TOLERÂNCIA
INÁCIO ARAUJO

Questão Fapesp: fim de papo. Não vamos gastar vela com mau defunto, como dizia minha avó.

É o seguinte: estamos contra o fascismo, contra os linchadores, contra o mccarthismo (é impressionante como isso está disseminado).

Se alguém não quiser me ler por causa disso, é porque sua leitura, até aqui, não passou de mal-entendido. Aliás, o cinema pode ter seus problemas e suas vergonhas, mas é uma arte da tolerância, da convivência.