Canto do Inácio

Monday, March 30, 2009

SEM INIMIGOS À ALTURA, HERÓI TEM VAIDADE BEM EXPLORADA EM FILME
INÁCIO ARAUJO


Como os bons jogadores de futebol, também os super-heróis precisam saber parar na hora certa. Esse é o dilema que se apresenta para o Homem-Aranha: aposentar-se agora, no auge e com dignidade, ou continuar e tornar-se um caça-níquel - destino que vitimou, por exemplo, o Batman.

Se essa questão surge de forma escancarada, é porque já está inscrita em "Homem-Aranha 3" e porque desde o início o herói abdica de algumas de suas principais características: a preservação da identidade (agora Mary Jane já sabe quem Peter Parker é) e a ausência de reconhecimento público.

Os roteiristas souberam trabalhar muito bem essas transformações. Neste episódio, o Homem-Aranha voa entre os edifícios aplaudido por todos e inchado de vaidade. Ao mesmo tempo, Peter Parker pensa em propor casamento a Mary Jane.

Sua tia o alerta: casar é saber pôr a mulher em primeiro lugar. No caso, a observação faz todo sentido: em crise narcisista, o Homem-Aranha se põe à frente da mulher sem se dar conta de que a sufoca. Está colocada a questão central do filme: desta vez, o grande inimigo do Homem-Aranha será o Homem-Aranha.

Três vilões

Seus outros adversários estão longe de representar o perigo que vimos nos episódios anteriores. O primeiro deles, o novo Duende Verde, é ninguém menos que seu amigão Harry. O segundo, Flint Marko, ou Homem-Areia, é antes de tudo um azarado, um sentimental apaixonado pela filhinha. O terceiro, Venom, apenas um ladrãozinho de fotos com mania de grandeza.

Se partirmos da premissa hitchcockiana de que quanto mais bem-sucedido o vilão mais bem-sucedido o filme, então o novo "Homem-Aranha" é o menos interessante da série: quem tem três inimigos num filme só não tem nenhum.

Mas, se lembrarmos de que o aspecto mais interessante do herói sempre foram seus conflitos interiores, este episódio ainda consegue dar uma virada significativa, ao promover o amadurecimento do herói.

Plasticamente, essa situação é desenvolvida a partir de uma substância que adere, inicialmente, à moto de Peter Parker. Depois, apossa-se dele e lhe proporciona grande prazer. É assim que se manifestará seu "lado negro", do qual vaidade e individualismo não estão excluídos. O Homem-Aranha será vitimado, enfim, pela sociedade do espetáculo.

Essas transformações, ainda que salutares, apontam já para o crepúsculo do herói. Um homem, fosse ele o Homem-Aranha, que enfrenta a si mesmo e sobrevive a esse enfrentamento, está pronto para a aposentadoria, pois o pior já passou. Para prosseguir com a mesma força, daqui por diante, será preciso que os roteiristas dêem nó em pingo d'água. Mas em Hollywood dar nó em pingo d'água não é coisa impossível.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 03 de maio de 2007)

HOMEM-ARANHA RETORNA NARCISISTA EM 3º FILME
INÁCIO ARAUJO


Se coube ao Homem-Aranha ser, desde sempre, um herói conflituoso, neste "Homem-Aranha 3" o herói é acometido já no início de uma crise de narcisismo. Se no passado sempre tivera a imprensa como inimiga e a desconfiança da população, agora é aplaudido em cena aberta, mesmo se nada faz.

Sua identidade secreta, fonte de tantas dores, está revelada. Ele quer propor casamento à amada Mary Jane. Mas tudo que faz é passá-la para trás.

No filme, à parte os inimigos e aventuras que terá pela frente, o Homem-Aranha tem o dilema que super-heróis enfrentam: qual a hora de parar, antes de virar um caça-níqueis?

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 11 de agosto de 2008)

ARANHA EXPÕE FIGURA DO "ANTI-SUPER-HERÓI"
INÁCIO ARAUJO


É irônica a sorte de Peter Parker. Não lhe basta ter contra si a imprensa, ainda é preciso que tenha de ganhar a vida trabalhando para o jornal que o difama. Mais precisamente: vendendo as fotografias das proezas de seu alter ego, o Homem-Aranha (Tobey Maguire), às quais ele tem acesso, claro, com exclusividade.

A necessidade de manter sua identidade secreta o afasta da amada Mary Jane (Kirsten Dunst) quando mais ele quer se aproximar. Tudo o que faz visando ao bem parece provocar catástrofes à sua volta.

A impotência por vezes o atormenta. Quando lança sua teia, ela, vez ou outra, falha. Estamos nisso, na constatação de que o Homem-Aranha é mais do que tudo um anti-super-herói, quando um inimigo volta a aparecer. Agora, em "Homem-Aranha 2", ele é o doutor Octopus.

Na verdade, quase não importa o inimigo. Nessas aventuras, pesa mais a coexistência entre possível e impossível, imaginação descabelada misturada aos elementos mais banais do cotidiano.

Exemplo: os parentes de Peter Parker são tipos discretíssimos; já o chefe do jornal é uma hipérbole ambulante.

É nesse estranho ambiente que o Parker-Aranha vai se enrolando em sua teia de adolescente, apertado entre equacionar questões angustiantes da vida e a obrigação, tão premente quanto, de salvar a humanidade. Eis aí um herói inteligente e nunca pernóstico.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 07 de setembro de 2008)

HOMEM-ARANHA É O MAIS ADULTO DOS SUPER-HERÓIS
INÁCIO ARAUJO


Herói adolescente, o Homem-Aranha é o único com dilemas de fato adultos. Ele não é um mauricinho, como o Batman, nem um jornalista de sucesso, como Superman. É só um freelancer que vive de vender fotos do seu duplo herói para um jornal que se empenha em difamá-lo a cada edição.

Na vida pessoal, ele precisa dar conta de problemas dos parentes idosos com quem vive (já não me lembro se são avós ou tios), rotina de muitos jovens. E enfrenta um problema amoroso mais ou menos semelhante ao de todos os super-heróis no que diz respeito à identidade, ou seja: tem que se fazer passar por um banana para que a garota não perceba quem ele é. Digamos que aqui as coisas são mais dilacerantes.

Existem, por fim, os vilões. Seriam quase um detalhe, não servissem a dar a esse ser tão heroicamente cotidiano seu lado de fantasia, como veremos em "Homem-Aranha" e "Homem-Aranha 2".

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 18 de fevereiro de 2009)

HOMEM-ARANHA É O SUPER-HERÓI MAIS ANGUSTIADO
INÁCIO ARAUJO


O fantástico no Homem-Aranha é que cada um de seus problemas é razoavelmente simples. Pode perder a namorada porque, para protegê-la, não pode revelar sua identidade secreta. Tem de vender a força de trabalho ao jornal que o persegue implacavelmente, relaxa na vida escolar porque deve cuidar dos parentes etc.

Isoladamente, cada um desses problemas é contornável. O conjunto é um desastre existencial. A TNT exibe hoje os dois primeiros exemplares da série, de Sam Raimi, sobre o que me parece o mais interessante dos super-heróis - e o mais angustiado também.

Se o primeiro filme é antes de tudo uma apresentação, o segundo o mostra na plenitude de seu drama: ser ou não ser quem é, abraçando a segunda identidade, que é sua força e sua maldição.Mesmo o inimigo será forte: um cientista que quer o bem da humanidade, mas, traído pelo inconsciente, revela-se um monstro. Nunca somos, no fim, quem pensamos ser.

(texto publicado na Folha de São Paulo do dia 30 de março de 2009)

Friday, March 27, 2009

FORD FAZ CINEMA DA TOLERÂNCIA EM LONGA "SECRETO"
INÁCIO ARAUJO


Se a sexta é de John Ford, isso se deve em parte a "Rastros de Ódio", sua obra-prima, sem dúvida, e por isso mesmo bem conhecida.

Um pouco mais secreto é "Depois do Vendaval", que pertence à saga irlandesa do diretor e lhe deu a oportunidade de juntar dois de seus atores favoritos (John Wayne e Victor McLaglen), com uma de suas atrizes mais representativas (Maureen O'Hara).

Existe ali uma representação perdidamente romântica, nostálgica ao extremo, do pequeno vilarejo irlandês que John Wayne, o americano, procura como se procurasse o ventre materno depois que mata um adversário no ringue.

Voltar à vida será abandonar o progresso, a modernidade americana, render-se a esse mundo tradicionalista, por um lado. E, por outro, fazer com que o vilarejo ao menos compreenda o fato de o mundo se transformar. Ford faz um cinema da tolerância.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de março de 2008)

Thursday, March 26, 2009

MISTÉRIO DO MUNDO
INÁCIO ARAUJO


"Pi" é um nome tão inesperado que a revista da TVA logo trata de esclarecer, entre parênteses, que se trata de um filme.

Um estranho filme, a propósito de um matemático genial que busca, em linhas gerais, equacionar o mistério do mundo por meio de números. Próximos dele haverá um grupo de judeus religiosos que tentam decifrar o mesmo mistério, acreditando que as cifras serão capazes de lhes revelar o nome de Deus. E também uma gente da Bolsa de Valores, em busca da solução para seus problemas.

O ponto de partida do realizador Darren Aronofsky é mais que interessante, e igualmente seria o filme caso Aronofsky tivesse abdicado de maneirismos que vão da filmagem em preto-e-branco à montagem agitada demais. Ainda assim, é curioso.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 06 de novembro de 2002)

Sunday, March 22, 2009

O HOMEM É UM SER DIVIDIDO EM "SINDICATO"
INÁCIO ARAUJO


Até hoje ninguém sabe se Elia Kazan é crápula ou herói, traidor ou homem de boa-fé. Sabe-se, contudo, que tem coragem: quando, pressionado pela "caça às bruxas", lá por 1950, foi chamado a delatar seus ex-amigos comunistas, não só o fez como publicou uma página no "New York Times" para dizer que isso era uma atitude necessária.

Ora, ninguém ama os dedos-duros, nem o inimigo. De maneira que Kazan amargou a solidão completa, maldito pela esquerda e desprezado pela direita. Deixou de ser o queridinho da Fox. Seu "Sindicato de Ladrões" teve produção independente e de certa forma o reabilitou em Hollywood, tendo recebido oito Oscars (de certa forma porque até hoje sua atitude é condenada por muita gente).

É um filme sobre a dor, em suma. Lá está Marlon Brando, irmão de um poderoso sindicalista do cais de Nova York, forçado a se calar diante das brutalidades que vê os gângsteres praticarem. É pela influência de um padre e uma mulher (é preciso os dois: dá para ver por aí que a situação não era fácil), que Brando decide cooperar com as autoridades no desmantelamento do sindicato.

As decorrências veremos. O importante é que nesse filme dilacerado Kazan fala essencialmente de si mesmo e das pressões que sofreu de vários lados. Para ter uma idéia da loucura que foi essa época, os nomes que ele delatou já eram todos notórios - portanto, a rigor, nem delação houve. E os que o forçaram a delatar sabiam que ele havia deixado o Partido [Comunista] ainda nos anos 30 (por não gostar de interferências em suas peças).

"Sindicato" agita, mais que o tema do traidor e do herói, o do homem dividido - que habita a obra de Kazan desde quase sempre. Essa divisão fez dele um dos raros artistas a não só sobreviver, como crescer após a delação.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 09 de agosto de 2003)

"RIO VIOLENTO" VÊ KAZAN À BEIRA DA TRAGÉDIA
INÁCIO ARAUJO


Elia Kazan pode ser chamado de grego ou de turco. Ou, por que não, de americano, já que para lá imigrou ainda pequeno. Mas também pode ser chamado de cineasta de parte alguma: é alguém que ocupa uma estreita faixa, onde viver é sempre muito difícil.

Em "Rio Violento", por exemplo, o personagem de Montgomery Clift é um agente federal (do governo Roosevelt) que precisa convencer uma senhora a abandonar suas terras, para que, naquele local, seja construída uma barragem. É a energia. O progresso. Os investimentos que parecem capazes de tirar os Estados Unidos de sua Depressão.

No entanto, para Kazan, as razões de todos não são necessariamente melhores do que as razões de um. Para que o todo seja harmônico, é necessário que cada um faça parte dessa harmonia.

Essa será a angústia de Monty ao longo do filme: fazer com que todos ganhem e ninguém perca. Não é uma tarefa; é um atalho para a tragédia.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 01 de março de 2007)

KAZAN FALA DE SI EM "SINDICATO DE LADRÕES"
INÁCIO ARAUJO


Se existisse um só filme para condensar tudo o que foi Elia Kazan, ele seria "Sindicato de Ladrões". Talvez a razão mais superficial não seja o fato de Kazan, antes de tudo grande diretor de atores, dirigir aqui um grupo de talentos que inclui Karl Malden, Eva Marie Saint e Rod Steiger. Mas, claro, é Marlon Brando, talvez em sua maior interpretação, que toma conta de tudo.

O elenco acima dá conta das contradições da existência no cais, do sindicato corrupto, das leis do silêncio que vigoram entre os trabalhadores, das traições e dos negócios sujos. O sindicato é no tradicional padrão americano: mafioso.

Mas todo mundo sabe que Kazan não falava apenas disso, embora seu mérito seja falar exatamente disso com precisão. Ali está sua vida, como um livro (ou filme) aberto.

Ali está o porto, lugar de entrada e saída do país, faixa de terra onde existir é difícil e onde um imigrante como Kazan sempre se sentiu. Ali estão também as ambigüidades, o apego a grupos distintos, a pendência entre miséria e grandeza moral, a necessidade de lutar e existir na adversidade.

Não se pode esquecer que "Sindicato" é muito visto como uma espécie de alegoria da situação vivida por Kazan, que entregou nomes de ex-colegas do Partido Comunista no macarthismo, assumiu o que fez, foi para o limbo e reabilitou-se aqui. Felizmente, o filme fica além da alegoria, ou aquém.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 19 de agosto de 2007)

COM ELIA KAZAN, CINEMA ENCONTRA SERES COMPLEXOS
INÁCIO ARAUJO


Não é todo dia que alguém faz um filme como "Uma Rua Chamada Pecado". Isto é, não é todo dia que alguém traz para a tela, pela primeira vez, a dramaturgia de Tennessee Williams.

Estávamos em 1951 e, de repente, o cinema (norte-americano) se enchia de seres complexos, contraditórios, ricos e precários. O cinema deixava de ser um Olimpo e descia aos homens.

Não é surpreendente que tenha sido Elia Kazan a realizar a proeza. Ele que chegara ao cinema com a fama de um dos maiores diretores de teatro dos EUA. Agora, ele assumia plenamente esse lado teatro e deixava de lado uma série de convenções do cinema. Trocava-as pelas mais adultas do teatro, é verdade. Mas a troca era vantajosa: dela, vinha a história de Blanche Dubois e do seu conflito com o grosseiro Kowalski.

Que, por sinal, era o personagem que introduzia Marlon Brando no cinema. De maneira que Kazan trazia o cinema ao mundo dos homens. Mas nem tanto assim.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 18 de abril de 2008)

Tuesday, March 17, 2009

CINEASTA REENCONTRA A TRADIÇÃO PARA TRANSFORMÁ-LA
INÁCIO ARAUJO


Clint Eastwood não esperou até fazer "Bird" para se tornar um bom diretor. A partir dali, apenas tornou-se mais fácil dissociá-los das figuras do caubói rústico e do policial violento que o haviam tornado famoso.

É verdade que, naquele momento, final dos anos 80, deixam de existir os tateamentos estilísticos dos primeiros anos: Clint adotará então uma linha classicizante, em contraste com vários de seus filmes iniciais (como "O Estranho Sem Nome"), em que o estilo ainda parecia dependente ora de Sergio Leone, pela estilização, ora de Don Siegel, pela franqueza.

Desde ali, no entanto, alguns elementos temáticos surgiam: a presença da morte como referência quase obrigatória, o aspecto sadomasoquista da violência. É aos poucos, na medida em que amadurece, que seus filmes passam a expressar uma preocupação mais marcada com o passado, com aquilo que o tempo representa como perda e dor. É algo que o belíssimo "Bronco Billy" (1980) já anuncia, ao colocar em cena a figura do cowboy deslocado no mundo contemporâneo.

Clint é um dos raros diretores que aprecia, em suas entrevistas, referir seu apego aos filmes clássicos a que assistiu. Não faz isso para agradar aos interlocutores. É com eles, efetivamente, que se dá seu diálogo. Mas não se trata de voltar no tempo, nostalgicamente. Trata-se de reencontrar uma tradição para transformá-la. Assim, em "Os Imperdoáveis", provavelmente seu melhor filme, o herói já não é o caubói, mas o fantasma do caubói: não o tipo heroico construído pelos velhos faroestes, mas um bando de velhacos, bêbados, boçais.

Se o filme clássico é o território da crença, nossa era é a da descrença, da dúvida. O presente precisa se alimentar do passado se quiser crescer, nos lembram os filhos caretas de "As Pontes de Madison". Mas o movimento é pendular: num momento posterior, o velho, o passado, necessita do novo para persistir ("Menina de Ouro"), para não se decompor.

Os filmes de guerra de Clint remetem -mais pela visão do que pelo estilo- a um autor que não costuma citar: Samuel Fuller. Talvez porque Fuller seja um moderno, como Siegel, que toca os problemas de frente. Dizia Fuller que na guerra o único heroísmo consiste em sobreviver, algo que Clint retoma com frequência.

De certa forma, veremos todas essas questões retornarem em "Gran Torino", filme em que a irreversibilidade do tempo é posta de maneira dramática. Assim, o notável "duelo final" baseia-se numa expectativa: a do retorno à ativa do velho cauboí do "western spaghetti". Veremos como Clint faz passado e presente se fundirem com mão de mestre.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de março de 2009)

"TROPA DE ELITE" É UM FILME INGÊNUO
INÁCIO ARAUJO

Ok, aceitemos que "Tropa de Elite" não é fascista. Mas, em vários aspectos, é um filme ingênuo, para usar a terminologia cara ao pessoal da Atlântida.

O mais claro deles é, sem dúvida, o papel de Michel Foucault nessa história, introduzido como assunto principal numa aula de uma universidade carioca. A ideia do filme é simples: a teoria não passa de alienação, pois produzida nos gabinetes e difundida entre estudantes alienados (cada vez mais alienados, devido aos ensinamentos). O único estudante a saber o que se passa na realidade é o jovem policial negro. Porque ele sobe no morro, leva tiro e tal e coisa.

Digamos que as teorias de Foucault não se apliquem aos criminosos do Rio de Janeiro. Ainda assim, será preciso que outra teoria a substitua e permita enfim compreender o que se passa nesse território de droga, pobreza, religião, funk, corrupção etc. Pois por mais que se enalteça o papel da prática, ela nunca surge do nada.

Ora, quando falou à TV, o diretor José Padilha teorizou longamente sobre polícia e crime. Quase não falou de cinema, que também precisa de ideias. Uma delas: em cinema não existe sangue, existe vermelho (Jean-Luc Godard). Em "Tropa de Elite" há muito mais sangue que vermelho. Por isso é um fenômeno sociológico, nunca será um grande filme.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 08 de março de 2009)

Friday, March 13, 2009

CAPITÃO NASCIMENTO É UMA RUÍNA AMBULANTE
INÁCIO ARAUJO




"Tropa de Elite" um filme fascista, como acreditam muitos críticos? Essa pode ser uma impressão apressada, dessas em que se confunde o discurso da personagem com o do filme.

É verdade que Capitão Nascimento é um tipo a que não falta ambiguidade. Sua tropa está lá para barbarizar mesmo. Certo ou errado, ele sabe que participa de uma guerra em dois fronts: contra os traficantes, de um lado, e contra a política corrupta de outra.

Tudo isso faz dele uma mistura de Rambo com Eliot Ness, celebrizado por "Os Intocáveis". Não tem muito tempo para divagações e teorias. A teoria é um inimigo tão perigoso quanto uma bazuca. É proibido pensar: recebe-se o mundo tal como ele vem e pau na máquina. Esse último item ajudou Nascimento a se tornar um herói de pessoas para quem o mundo está pensado, não devemos nos ocupar com isso: basta agir.

A verdade, no entanto, é que a vida do capitão é uma ruína. A implantação de seus métodos tem um custo tão alto que ele não consegue nem ter uma família (e nem, de resto, implantá-los para valer, institucionalmente). Capitão Nascimento é uma ruína ambulante, assim como sua tropa.

No fundo, o que este filme faz é nos lembrar que questões como violência urbana e justiça social estão longe de serem resolvidas. Chama o Foucault, por favor.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 01 de março de 2009)

Monday, March 09, 2009

VIDA INSOSSA DE PERSONAGEM COINCIDE COM VAZIO DO LONGA DE DENYS ARCAND
INÁCIO ARAUJO


Passados os momentos mais explosivos de "A Queda do Império Americano" e "As Invasões Bárbaras", eis que Denys Arcand se encontra num momento de maior introspecção: o Jean-Marc de "A Era da Inocência" é um homem diante de seu vazio.

Uma pequena digressão sobre o título: não existe um motivo, nem mesmo remoto, para que o filme tenha ganho o esdrúxulo nome de "A Era da Inocência", quando o original, com toda clareza, proclama-se "a era das trevas" - no que ao menos tem maior coerência com o trabalho do diretor canadense.

O certo é que Jean-Marc está diante de seu vazio. Ele trabalha longe de casa numa agência governamental que no papel existe para ajudar as pessoas e na prática não faz nada por elas. A casa ele partilha com uma mulher chatíssima e duas filhas que não lhe dão a menor bola.

Para compensar a vida sem graça, Jean-Marc tem fantasias com mulheres (incluindo a bela Diane Kruger). No começo elas lhe propiciam o amor e a conversa que não tem em casa.

Com o tempo, até as fantasias se dão conta de que Jean-Marc não é o homem reduzido pela vida a experiências limitadas e desanimadoras. Ele é, antes de tudo, um chato de galocha.

No momento de mostrar o vazio de um homem, e não seres que se pavoneiam todo o tempo por serem quem são, Arcand produz um efeito curioso, embora não animador: a coincidência perfeita entre o vazio de seu personagem e o vazio do seu filme.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 29 de fevereiro de 2008)

Saturday, March 07, 2009

"DAMA NA ÁGUA" LEVA O FANTÁSTICO AO CINEMA COMERCIAL
INÁCIO ARAUJO


Jacques Aumont, ao final de seu livro "Moderno?" diz que são inconciliáveis o cinema de arte e ensaio e o cinema comercial. Talvez eu não entenda muito bem o que isso significa, mas minha impressão é de que, no horizonte do cinema, as coisas são até mais animadoras, nesse sentido, do que, por exemplo, no da literatura.

Em "Fay Grimm", o editor cria frases primorosas, como ao se referir a "uma literatura que se autoperpetua de engodos, boatos, rumores, insinuações e mentiras: um best-seller, com certeza". Ou ainda: "Tudo que é vendável é editável".

Pensarão os produtores de cinema de modo muito diferente? Certamente, não. Essa é a lógica da indústria. No entanto, "A Dama na Água" pode ao mesmo tempo participar desse sistema e inserir ali seu fantástico, com a mesma desenvoltura que essa dama demonstra ao freqüentar a piscina do filme. É um exercício de fantástico original e delicado, este de M. Night Shyamalan.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 03 de novembro de 2008)

SHYAMALAN CRIA MISTÉRIO COM DELICADEZA
INÁCIO ARAUJO


O cinema americano passou de dominante, até os anos 60, para absolutamente hegemônico desde a década de 80 do século passado. Hollywood, deficitária desde a era dos grandes estúdios, que termina por volta de 1950, recuperou-se e voltou a se impor.

O problema é que, para atingir um público maior neste momento em que as diversões são extremamente diversificadas, o cinema adotou um padrão hoje em esgotamento, baseado em filmes de aventura destinados sobretudo ao público juvenil.

É preciso, portanto, encontrar algumas alternativas. Buscar realizadores no exterior pode ser uma. Mas permitir que certas personalidades despontem e se desenvolvam é, certamente, a mais promissora.

Em M. Night Shyamalan, de "A Dama na Água", Hollywood encontrou um cineasta com sentido autêntico do mistério e de como ele se põe em imagens. "A Dama", um filme de pouca história, envolve-nos com atmosfera, mistério e uma enorme delicadeza.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 24 de outubro de 2007)

Friday, March 06, 2009

BLOG

O endereço correto do blog do Inácio é: http://inacio-a.blog.uol.com.br/