Canto do Inácio

Wednesday, November 28, 2007

"MUTUM" E "CASA DE ALICE"
INÁCIO ARAUJO

Como não sabia nada sobre o filme, nem que era Guimarães Rosa, nem nada, no começo de "Mutum" imaginei uma coisa absolutamente idiota. Quando entram aquelas crianças pensei: "Que legal! É uma comunidade croata, ou coisa assim, que se estabeleceu no Brasil, se acaboclou, mas preservou a língua original".

Ok, depois eu vi que não era nada disso. Mas o fato de não compreender nada do que diziam (o som estava abafado à beça e acho que não era só do cinema, não) até que está de acordo com o GR.

E de todo modo o filme é muito bem levado, muito interessante. A morte do irmão, desde que é anunciada (o pé aparece ferido e a gente já sabe o que vai acontecer) é notável. O momento em que a menina aparece com duas havaianas, uma de cada cor, é ótimo.

Já o "Casa de Alice" não me encantou. Não é um diretor para riscar do mapa, mas o filme é bem paulista, no sentido de que me parece meio feito para agradar, por um lado, e sem relação com a tradição, por outro. Mas tem inteligência, apesar desse tom "cinema brasileiro de pobre", tão característico do cinema paulista.

Saturday, November 24, 2007

MIL PERDÕES NA VIA LACTEA
INÁCIO ARAUJO

Aos amigos que têm a paciência de seguir o blog: primeiro, desculpas pela ausência. Me faltou tempo, depois viajei para BH, depois para poder vir a Brasília fiquei escrevendo e resolvendo problemas em tempo integral.

Ou quase: porque no meio deu para ver alguns filmes bem interessantes, como este VIA LACTEA, da Lina Chamie.

O filme anterior dela já era bem interessante. Este tem uma construção que foge ao rame-rame a que eu já estava me conformando. O problema, me parece, é que o plot central (briga de namorados) é muito fraco para tudo o que acontece. Ou então o Marco Ricca devia ser muito mais velho do que é. Acho que só um velho ia ficar no estado capaz de justificar o que vem depois.

Mas o trabalho com o som é muito forte e os vários níveis narrativos são bem articulados.

Me parece que a Lina talvez tenha uma ligação mais profunda com a literatura (ou a música) do que com cinema. Não digo isso como reserva, não. Acho que isso é uma contribuição que as outras artes dão ao cinema.

Thursday, November 22, 2007

CINEMA É FEITO POR DUPLAS
INÁCIO ARAUJO

O cinema gosta de duplas: Gordo e Magro, Marlene e Von Sternberg, Dean Martin e Jerry Lewis, Coppola e Mario Puzo etc.

Cinema é um ato de amor, coisa que se faz a dois. Ou a três em certos casos, já que os irmãos Farrelly são dois (Peter e Bob) para começar. Talvez os dois Farrelly formem um termo, o segundo então seria Jim Carrey.

"Quem Vai Ficar com Mary?" ilustra bem o que ocorre com os Farrelly à distância de Jim. Eles usam bons atores (Cameron Diaz, Matt Dillon, Ben Stiller), mas as coisas parecem sair dos eixos - talvez por serem atores, não comediantes.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 22 de outubro de 2003)

Monday, November 19, 2007

LONGA CONFIRMA IRMÃOS FARRELLY NA VANGUARDA DE HOLLYWOOD
INÁCIO ARAUJO

Há o olhar e a cena. No livro de Ismail Xavier, "O Olhar e a Cena", há uma figura para a qual chama a atenção, que é a ironia. Apanágio hitchcockiano, maneira de estar dentro e fora do sistema (industrial, clássico). Pensemos, hoje, nos irmãos Farrelly, diretores de "Ligado em Você".

No filme eles tratam dos gêmeos siameses Bob e Walt. Tudo começa, portanto, de acordo com o figurino "farrellysta", cuja farra consiste em misturar o plausível e o impossível, alternar mau gosto e inventividade. Mas gêmeos siameses não seriam monstros - os "freaks" que um dia o filme de Todd Browning evocou? Não estes dois. Eles vivem como heróis esportivos em sua pequena cidade, trabalham com hambúrgueres, empregam um retardado mental etc. Há algo de doentiamente positivo nesse mundo de correção política impecável. Nele tudo é hollywoodiano demais.

Em "Ligado em Você" há um descompasso entre o olhar e a cena: a cena de horror (os "freaks" siameses) como que se derrete para se converter em cena cômica.

Mas o olhar retém algo do horror enunciado originalmente. Não nos acomodamos à comédia; o próprio filme nos impede de fazê-lo. O mal-estar que provoca está entre a comédia e o drama (ou horror). Ou: a comédia dos Farrelly é, de certo modo, o drama (ou horror) mais a ironia.

Os Farrelly estão em Hollywood e não o negam, mas também não se rendem a Hollywood, a seus clichês, a sua hipocrisia "bom-moço". Por isso constituem hoje, por excelência, a vanguarda de Hollywood.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 05 de março de 2004)

Tuesday, November 13, 2007

METACRÍTICA DA CRITICALHA

Texto do Inácio, aqui.

Monday, November 12, 2007

HORROR TOLO DE RODRIGUEZ RENDE DOIS OU TRÊS RISOS AMARELOS
INÁCIO ARAUJO

Em "Planeta Terror", Quentin Tarantino é produtor e ator. Aliás, Tarantino sempre dá uma força para Robert Rodriguez. Deve ser para que, pela comparação, todos possamos renovar nossa admiração por ele mesmo quando não dirige o filme.

Em "Planeta Terror", o enigma sugerido é: como arranjar as peças para chegar a um horror tão pouco memorável. Se é para levar a sério, as possibilidades são mínimas. Existe, para começar, um grupo de mutantes (vítimas de uma história na Guerra do Golfo) que precisa inalar gás para não se dissolver e que sai de uma base militar comendo os passantes.

Há, em seguida, um hospital, onde são recebidas vítimas dos mutantes e onde há um casal de médicos perversos (em relação aos pacientes e em relação a um ao outro). E existe o herói El Wray (Freddy Rodríguez), um fora-da-lei disposto a reconquistar sua amada, a dançarina Cherry (Rose McGowan).

Os clichês se acumulam fazendo lembrar uma multidão de filmes -de zumbi, de médicos dementes e outros. Não são mais do que clichês que, à força da obviedade, Rodriguez -como em outros de seus filmes- parece querer nos fazer acreditar que está acima deles.

Pode-se pensar então em um efeito cômico. Também não dá pé. Se comparado aos filmes de Ivan Cardoso, por exemplo...

Não dá nem para comparar: a diferença, para começar, é que este abacaxi é lançado nos cinemas; já os filmes mais recentes de Cardoso, não. Do que se poderia rir, afinal? De um bar de estrada nojento que aspira a ganhar o título de melhor churrasco? De um estuprador mutante cujos órgãos se decompõem na hora de estuprar uma mulher?

Talvez a única tirada aceitável ao longo de todo o filme seja a de Cherry, a garota bonita da história, que, após ter a perna devorada por um mutante, acaba recebendo, como implante, uma metralhadora. Isso rende dois ou três risos amarelos.

"Planeta Terror" tende, no entanto, a encontrar um mercado em espectadores que apreciam os exercícios paródicos aos quais alguns intitulam -tão gastos quanto o humor do filme - de metalinguagem.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 09 de novembro de 2007)

Monday, November 05, 2007

O DEBATE II
INÁCIO ARAUJO

Há um aspecto interessante nisso tudo, que está no Blog da Ilustrada, onde o Leo abriu a questão: o que você acha da polêmica e tal.

E há opiniões muito clichê, acho que de gente que nem vai ao cinema, só vive de blog em blog na internet, mas tudo bem.

Um diz uma coisa justa, talvez “justa”, com aspas. É mais ou menos assim: crítico é que nem juiz de futebol. Gosta de aparecer à custa dos outros e ter a mãe xingada.

Se o juiz gosta de aparecer ou não, ou de ter a mãe xingada eu não sei, acho que vai de cada um. E com os críticos eu também não sei.

Mas o crítico é mesmo que nem juiz de futebol, isto é: uma chatice que atrapalha o time da gente e marca impedimento quando o atacante está com a bola; ou que não marca pênalti quando a gente acha que nosso jogador foi empurrado, e tal.

Porém se não houvesse juiz como é que a coisa ia se resolver? Por mais desagradável que se considere, é preciso que haja uma mediação. Ela pode ser o crítico. Ou pode ser a publicidade. A escolher.

Outro leitor (ou será o mesmo?) diz que o importante é o gosto de cada um, e o crítico que se lixe.

Também estou de acordo. Acho que se existe uma vantagem no cinema é que qualquer um pode gostar ou não gostar. Aliás, é desejável que ele goste do que gosta, não do que eu gosto, senão ele é um não ser.

Mesmo aí, é preciso ponderar que, se o fulano vai para casa, esquece o filme e vai manifestar suas preferências em outros blogs, tudo bem. Mas se ele se pergunta sobre por que tal filme o comoveu tanto (ou não), ou por que ele gostou tanto de certo filme de que outras pessoas não gostaram (ou gostaram), por que papai gostava tanto de um filme que a ele parece ridículo e, inclusive, em preto e branco.

Bom, se tudo isso correr pela cabeça do cara, o que não é muito provável que ocorra, mas pode acontecer se a namorada disser que ele é uma besta insensível porque não gostou de tal filme, isso vai levá-lo a indagar se a subjetividade é mesmo um absoluto, se tudo acaba aí, se não existe nada além do gosto/não gosto. E aí já estará no caminho da crítica, isto é, da história.

Por fim: há os que dizem que gostam de crítica, sim. Mas do Paulo Emilio, do Moniz Vianna etc. Não tem importância que os mencionados sejam, eventualmente, antípodas. Aí estamos diante desse absoluto: o passado era melhor. Bom, com o passado ninguém pode.

Friday, November 02, 2007

O DEBATE
INÁCIO ARAUJO

A polêmica Mostra vs. Crítica (vamos pôr assim para simplificar) que animou os trabalhos deste ano é algo de que todo mundo me pergunta.

E, francamente, não sei o que dizer, porque não tenho nenhuma opinião formada.

Para mim, a Mostra em si é um ato crítico, de 31 anos já, que devemos ao Leon Cakoff. Hoje ela passa num número inacreditável de cinemas. Parece que todo mundo quer projetar esses filmes esquisitos, que aparecem da China, da Coréia, do Egito, etc.

E vejo filas enormes nas portas dos cinemas, cheias de gente dispostas a participar do evento.

O que tem a crítica com isso?

Será que esse sucesso da Mostra é meramente publicitário? Será que esses espectadores vêm para participar de um evento social? Para uma parte deles, sem dúvida. E não é mau que seja assim. Me parece ótimo, ao contrário, que o cinema seja um evento social.

Uma outra parte, no entanto, virá em busca de atualização. Seja visitando os núcleos históricos, seja procurando se inteirar das novidades, busca aperfeiçoar sua cultura cinematográfica. Que os chamemos de cinéfilos ou não, são as pessoas que podem dialogar com os críticos.

Estarão os críticos à altura desse diálogo? Essa a questão levantada por Cakoff e Toubiana, embora em diferentes contextos. Tenho a impressão de que o Toubiana tem uma pinimba com seus sucessores na direção dos “Cahiers”, que foram impostos pelo “Lê Monde”. Acho que ele tem razão, aliás.

A questão do Cakoff me parece um pouco mais confusa. Francamente, não entendi de onde ele partiu (de uma recusa da Folha em entrevistar o Lelouch? Mas, caramba, se um jornal não tem direito a esse tipo de opção, o que lhe resta?). Mas acho que o ponto a que ele chegou diz respeito ao exibidor hoje ele também é.

É verdade que o cinema está perdendo público (não sei se a crítica está, como ele diz, não tenho como aferir). Isso eu constato cada vez que vou ao cinema. Mas acho que o motivo não tem nada a ver com cinefilia, nem com crítica.

A cinefilia que eu vejo hoje está descolada dos cinemas. Está na internet. O pessoal baixa adoidado filmes que nunca se verá no circuito ou na cinemateca, ou onde quer que seja. De outro lado, temos a indústria, que me parece estar se repetindo, se enfraquecendo, meio em crise. Pelo menos é isso que sugere o que nos chega aqui da produção americana.

Mas o cinema vai se safar dessa. Nunca digo que o cinema está na decadência, porque isso é o que eu leio desde 1928, desde que entrou o sonoro.