Canto do Inácio

Monday, June 25, 2007

ANOTAÇÕES PARA UM CÃO SEM DONO
INÁCIO ARAUJO

Tem filme de que eu saio percebendo que não sintonizei direito. Acho que aconteceu com o "Cão sem Dono", de que eu gostei, com a sensação de que me escapou, ao mesmo tempo.

É uma tortura quando isso acontece e a gente tem de escrever a respeito, porque o crítico tem de fazer sempre o número do especialista, daquele que sabe. O fato é que eu não sabia muito bem, quando vi o filme, e não sei muito bem agora.

Eu gosto do ar meio mal ajambrado do filme, essa coisa que se recusa a ser certinha, que se permite vagar em diversos momentos. Sai do que se faz hoje em dia, coisa muito planejada.

Ao mesmo tempo, me fica a sensação de que o próprio Beto Brant ainda não domina muito bem essa vagabundagem do filme, que, no entanto, tem no ponto de partida (o romance em que se inspira, ou talvez o próprio roteiro, ou mesmo a leitura do roteiro) uma coisa geracional muito precisa, essa coisa vazia, uma espécie de "aqui agora" que não se define por uma escolha de modo de ser, mas justamente por falta de opção.

Me pareceu que o filme acaba meio no tapa, não sei se faltou dinheiro no fim da produção.

Não entendi aquela garota, que num momento tem câncer, depois aparece do nada, saudabilíssima.

No geral, me pareceu um bom filme.

Friday, June 22, 2007

OURO PRETO
INÁCIO ARAUJO

Estive em Ouro Preto rapidamente. Nos dias que passei lá, o Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto - esteve à altura da cidade, o que não é pouca coisa.

Muito boa a estratégia: pequenos festivais não conseguiriam competir com Brasília ou Gramado. Em vez disso, a Cineop se propôs como um fórum de debates sobre a questão da memória, o que além do mais é bem apropriado para o local.

O Cléber Eduardo, curador, misturou filmes atuais (Baixo, Cão sem Dono) e filmes dos anos 50, que eram o tema. Com isso, pudemos ver "Tudo Azul" restaurado, que é um bom meio filme de Moacyr Fenelon, e que marcou Nelson Pereira dos Santos na feitura do Rio Zona Norte.

Digo que é um bom meio filme, porque do meio para o fim tudo é uma sucessão de números musicais, em geral bem de segunda categoria.

Importante: o seminário se deu em torno de memória e centrado nos anos 50, já que tudo girava em torno do NPS.

Além de "Tudo Azul" e da história do seu restauro (não se encontraram alguns diálogos, foi preciso encontrar as falas com ajuda de especialistas em leitura labial e depois dublá-los, etc., o que dá medida das dificuldades desse tipo de empreitada), foi possível ver "O Saci", em presença do Rodolfo Nanni.

Os debates em torno dos anos 50, abordando questões críticas, mas, sobretudo, de preservação, foram terrivelmente instrutivos.

O que deu errado: a cerimônia de abertura. Primeiro, o homenageado, NPS, não veio (ou não pôde vir, o que dá mais ou menos no mesmo). Segundo, o Rio 40 Graus exibido era em beta, com imagem muito ruim. Isso é secundário. Temos aí uma mostra voltada não à badalação, mas ao aperfeiçoamento dos técnicos, professores, colecionadores, conservadores. Colocar em diálogo essas pessoas que muitas vezes nem se conheciam é um tremendo e original feito.

Wednesday, June 20, 2007

A FAPESP É VERGONHOSA
INÁCIO ARAUJO

Mudando um pouco de assunto:

É pusilânime a atitude da Fapesp, que suspendeu o financiamento ao projeto Balada Boa, desenvolvido pela Psico-USP, depois que sites pára-policiais se dedicaram a atacá-lo, tomando o conceito de "redução de danos" como uma espécie de ofensa à ordem estabelecida.

O ser rastejante que comanda o espetáculo é um tal de Reinaldo Azevedo, é feio pra cacete e debilóide na mesma proporção.

Há pessoas assim, faz parte do mundo.

Agora, a pergunta que devemos fazer a qualquer ser que faça parte da Fapesp, que apite alguma coisa por lá, é: para que as pessoas precisam se formar, se pós-graduar, se doutorar, se pós-doutorar, publicar no exterior se tornarem cientistas, se no fim das contas quem vai dizer o que pesquisar ou não é gente empenhada, por ignorância ou má-fé, no cultivo da desinformação, como esse cara e alguns tantos????

CINECLUBE EQUIPE
INÁCIO ARAUJO

Por conta de correrias, trabalho, viagem e tal, acabei não postando o alô sobre a projeção e o debate do Cineclube Equipe, que aconteceram no dia 16.

Estive lá há alguns meses, num debate com o Francis Vogner e fiquei feliz de ver aquele cineclube funcionando, numa sala tão interessante, com alunos tão interessados e interessantes.

Isso só fez confirmar a boa impressão que eu tinha desse colégio, um dos poucos que hoje em dia se empenha em desenvolver seres livres, e não vestibulandos. Então convido a dar uma olhada no site do cineclube:

http://www.cineclubeequipe.blogger.com.br/

Monday, June 11, 2007

LUGAR NA PLATÉIA
INÁCIO ARAUJO

Revi Um Lugar na Platéia e continuo a gostar. Acho mil vezes melhor que o filme anterior da D. Thompson e um milhão de vezes acima da média do cinema comercial francês.

Me parece que ela tem uma visão de cinema, sobretudo do cinema francês, que desenvolve muito bem.

O filme tem três histórias. A da atriz que odeia o sucesso que faz na TV, encena Feydeau no teatro e quer a todo custo fazer um filme de prestígio é a primeira e mais acabada.

Nos fala dessa fobia do cinema francês (do cinema bom, bem entendido) em relação à popularidade, como se ter alcance popular fosse uma coisa ruim. Ela assume uma postura parecida com Truffaut e Chabrol (e mais alguns seguidores) nesse sentido, contra a predominância de uma cerebralidade extrema no cinema francês.

A trama é feliz ao introduzir o cineasta americano que parece pouco se lixar para os pruridos da atriz, pelo contrário, acha ótimo que ela seja popular. Mas também lança um piscar de olhos ao nacionalismo francês, com a aula que a atriz dá sobre Simone de Beauvoir ao diretor.

O episódio do pianista está na mesma balada. Ele é um sujeito que não suporta mais o ritual pedante e milionário dos concertos. Um bom momento: quando ele dedilha uma musiqueta para a garota, a Cecile de France, que não conhece nada de música erudita, e revela ao final que o compositor é Mozart. Ou seja, é como se o filme dissesse que não existe uma barreira a limitar a compreensão de Mozart e dos outros por um público grande. O que existe é um aparato feito para que não possamos nos aproximar dessa música.

O sistema cinematográfico não é um pouco assim, hoje? E agora penso, em especial, no Brasil: você só pode gostar do Homem-Aranha, não tem acesso a outras coisas, a outros filmes, que são tratados como coisas para poucos.

O outro episódio diz respeito ao grande colecionador que coloca todo seu acervo à venda. E aqui está colocada a questão do valor da obra de arte. Valor em todos os sentidos: estético, afetivo e monetário (não necessariamente nessa ordem), os três que disputam espaço, digamos assim, na seara da indústria cultural. E a Thompson faz convergir essas questões para a venda do Brancusi.

O Cleber disse que o filme lembra o tom das comédias de René Clair, e eu acho que ele matou a questão. Mesmo a celebração de Paris me parece apropriada. Enfim, achei sólido, simpático, cheio de vida.

Tuesday, June 05, 2007

NOSSO CINEMA “INDUSTRIAL”
INÁCIO ARAUJO

Por que insistimos tanto em nossa "indústria de cinema"?

Alguma vez a nossa "indústria" deu certo?

Deu certo a Cinédia, deu certo a Vera Cruz?

Por que daria agora, quando a concorrência com Hollywood é a mais pesada, mais brutal que jamais se viu?

Então, para que manter a ilusão de que precisamos fazer "filmes comerciais", ao alcance de todos?

"Todos" simplesmente não vão ver os filmes. Não importam os motivos.

Ao mesmo tempo, se ficarmos no interesse apenas estético dos filmes eu diria que ele é pequeno. É um cinema velho, de 1930 ou 40, cuja maior aspiração parece ser dizer ao público: "olha, nós também sabemos fazer".

Então, enterramos 4, 5, 6 milhões em filmes de muito pouco sentido, estagnantes. Teria algum sentido se as pessoas corressem à frente da bilheteria e dissessem "é isso que a gente quer ver".

Mas elas simplesmente não correm. Experimente ficar um dia perto da bilheteria de um multiplex em dia de domingo para ver como as pessoas se comportam.

Então o que fazer? Reforçar a indústria? Pode fazer. Eu digo apenas: não vai dar certo, vamos fazer um cinema encarquilhado.

A única chance é que exista uma verdadeira política de produção (em lugar da renúncia fiscal, que é um eufemismo para renúncia do Estado a sua obrigação de produzir políticas de produção, distribuição e exibição de filmes) um dia.

E que o filme seja visto pelo seu interesse artístico, cultural ou até político (no sentido de política cultural). E que se pare com essa bobagem de ficar correndo atrás de um público que foge dos filmes.

O público vai ver o que o faz o Daniel Filho. Então que a Globo produza os filmes dele e sejam todos muito felizes.

A gente precisa de um artesanato da originalidade, da necessidade absoluta de mostrar alguma coisa.

O filme do Cláudio Assis é isso, o do Tonacci também. Há outros, o Carlão, o Beto Brant, o Mojica, o Ivan Cardoso, o Bressane. Caramba, não nos falta talento. Falta uma política para colocá-lo em relevo, para desenvolvê-lo.

Não sei se isso vai dar certo. Agora, essa coisa de indústria, pode esquecer: não vai para parte alguma.