INÁCIO ARAUJO

Não faltam motivos para que "A Noite dos Mortos-Vivos" (versão original, de 1969) tenha se tornado um marco na história do filme de terror.
O primeiro deles é a sua originalidade. Em várias frentes. Em primeiro lugar, o realismo cru da direção de George Romero introduz um novo parâmetro no gênero, normalmente dominado seja pelo gótico, seja pelo barroco.
O que há de mais terrível em "A Noite dos Mortos-Vivos" é que os personagens nos sejam tão familiares: um rapaz e uma moça vão colocar flores no túmulo do pai, quando são atacados por um morto-vivo. Ele morre. Ela consegue chegar a uma casa que será refúgio de vários vivos, ao longo de uma noite interminável.
Em segundo lugar, esses mortos-vivos estão longe de ser emanações infernais: é a radiação (um terror bem humano) que os tira dos túmulos e os transforma em monstros mutantes. É, portanto, o homem que gera, com sua ação, seu próprio terror.
Nem por isso ele é menor: cada minuto é de tensão, em que o melhor do gênero vem à tona, isto é: essa capacidade que só o fantástico tem de despertar nossos fantasmas mais profundos - o medo da morte, da mutação.
Em nenhum momento Romero cede à facilidade do cinema-susto, tão frequente no horror mais recente. Não há necessidade de aparições rocambolescas para gelar nosso sangue. É a atmosfera realista (parece um filme de John Cassavetes, nesse sentido) que nos conduz ao sobrenatural e o torna mais crível e aterrorizante.
Por fim, o fato de trabalhar com atores desconhecidos introduz um elemento a mais de horror. Um ator famoso nos tranquiliza e dá a certeza de que o herói sobreviverá para contar a história, o que não acontece aqui. O filme dispõe de uma produção modesta, mas não se ressente desse fato. Pelo contrário, tira partido dela. É indispensável para os fãs do gênero e também para os que não são tão fãs assim.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 28 de março de 2001)