CINEMA TORTO, CINEMA MORTOINÁCIO ARAUJO
Ok, no post anterior eu estava muito irritado. Tinha saído do filme e fiz uma espécie de desabafo. Mas não um linchamento, Nelson. Para começar, porque aqui eu me vejo conversando com amigos: não me sinto na obrigação de dar grandes explicações para cada coisa etc.
Segundo, porque este filme foi bastante elogiado e me parece que estamos ficando sem critério completamente. Repito: se desse tudo certo, este seria um filme dos anos 40, da representação clássica. Ninguém mais faz isso. Eu digo: no mundo! Não é possível que esse modo de fazer cinema vire padrão no Brasil agora.
Então, não é nada pessoal, longe disso. Muito longe: me parece que estamos com um problema de completa ausência de política para o cinema. O que existe é uma espécie de omissão de política. O Estado repassa a responsabilidade à “sociedade”. Ela fará os filmes que acha melhor. A “sociedade” repassa a responsabilidade ao Estado, de volta, pois o essencial da coisa fica nas costas da Petrobrás e outras “brás”. O começo dos nossos filmes é aquele desfile ridículo de patrocinadores.
O discurso atual no cinema brasileiro consiste em dizer que temos produção, mas não temos distribuição.
Ok. E vamos distribuir o quê? “Proibido Proibir”?
Os distribuidores pulam fora quando se vêem diante de um filme como o do Tonacci. Por quê? Eles dizem que isso é “anti-comercial”. Aí eles distribuem um “filme comercial”, não necessariamente ruim, e aí quantos espectadores dá? Nada. Então, desculpem, o gargalo não está na distribuição: existe um curto-circuito entre o que o público pretende ver e o que os filmes querem mostrar. Eu estava na porta do cinema, quando fui ver o “Proibido”. Havia um casal atrás de mim. Tive a sensação de que eles veriam qualquer coisa, um filme já começado, qualquer coisa, mas não um filme brasileiro. Então, não adianta eu chegar no jornal e dizer que é uma beleza. O leitor não vai atrás. Se eu disser isso, ele não ganha confiança no filme. Ele perde confiança em mim. Ele vai me achar desonesto, complacente, essas coisas. Se nós queremos falar de uma indústria de cinema, então vamos começar a tratar dessas coisas a sério.
No mesmo dia, vamos convir, a sessão do “Batismo de Sangue” do Ratton estava lotada. Eu acho o filme meio problemático, um filme “de grande tema”. Mas ele conseguiu se vincular a alguma coisa, conseguiu se tornar interessante para algumas pessoas. Então, mal ou bem, faz sentido. Vamos discutir o filme. O mesmo se diga do “Zuzu Angel”, do Sergio Rezende, que me parece até um filme melhor. Ou até do Daniel Filho, que todo mundo fala mal, mas que a cada filme bota 2 milhões de pessoa na sala. Agora, eu gosto mais do “Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, que me parece mais sincero, mais vivido, que pega muito bem a história do bairro judeu, tudo isso. E que as pessoas também quiseram ver. Não é um filme do outro mundo, tudo bem, mas é deste.
Então, se eu fosse da Ancine (o que está muito longe dos meus planos) me preocuparia em montar um departamento de marketing que subsidiaria os produtores, para saber o que pode interessar a tal público etc. e tal.
Se o que o público quer ver é isso, se do que precisamos é uma indústria, pau na máquina. Não há no que pensar. Mas para isso acontecer é preciso que esse filme 100% subsidiado desapareça, que corra algum risco. Enquanto isso não acontecer nossa verdadeira arte será a arte da captação.
De todo modo, eu vou ficar aqui no meu canto, enchendo um pouco saco. Lembrando que o mundo inteiro não escreve, não filma e não monta mais assim. Que os únicos momentos em que o cinema brasileiro teve importância foi quando, em vez de copiar o que se fazia, inventou. Quando foi vanguarda tecnológica, quando criou um modo de produção adaptado às condições do país.
Alguém disse aqui que eu faço tabula rasa do cinema brasileiro. Não é verdade. Acho que temos talentos que em condições favoráveis podem se desenvolver muito bem. O Beto Brant é um deles. O Lírio Ferreira também. Falo dos que estão com filmes em evidência, de que lembro agora. Há outros, claro. Agora, mesmo esses, o modo de produção não ajuda. Ele é perdulário.
Bom, parece que eu tomei um chá de Merten: não paro mais de escrever.
Passou o efeito.
Só para terminar, e acho que estou respondendo de novo a alguém, talvez ao Nelson: o problema não é ter pobre nos filmes. Se isso me incomodasse eu teria mudado não de país, mas de atividade. O problema é que a representação do pobre é de um convencionalismo absurdo. Ficou melhor assim?
Vou explicar. Estou cheio de ouvir que Hollywood é maniqueísta. Ok. Então eu vou ver o “Batismo de Sangue”: padre é bom, tira é mau (aceitemos que, pelo menos, tira é mau – mas é uma verdade tão óbvia que já se podia fazer algo diferente, não?). Aí vou ver o “Proibido Proibir” e o camelô é um anjo e o policial corrupto e assassino.
Tudo bem. E Hollywood é maniqueísta. Nós não. Não se fala mais nisso.