INÁCIO ARAUJO

Como os bons jogadores de futebol, também os super-heróis precisam saber parar na hora certa. Esse é o dilema que se apresenta para o Homem-Aranha: aposentar-se agora, no auge e com dignidade, ou continuar e tornar-se um caça-níquel - destino que vitimou, por exemplo, o Batman.
Se essa questão surge de forma escancarada, é porque já está inscrita em "Homem-Aranha 3" e porque desde o início o herói abdica de algumas de suas principais características: a preservação da identidade (agora Mary Jane já sabe quem Peter Parker é) e a ausência de reconhecimento público.
Os roteiristas souberam trabalhar muito bem essas transformações. Neste episódio, o Homem-Aranha voa entre os edifícios aplaudido por todos e inchado de vaidade. Ao mesmo tempo, Peter Parker pensa em propor casamento a Mary Jane.
Sua tia o alerta: casar é saber pôr a mulher em primeiro lugar. No caso, a observação faz todo sentido: em crise narcisista, o Homem-Aranha se põe à frente da mulher sem se dar conta de que a sufoca. Está colocada a questão central do filme: desta vez, o grande inimigo do Homem-Aranha será o Homem-Aranha.
Três vilões
Seus outros adversários estão longe de representar o perigo que vimos nos episódios anteriores. O primeiro deles, o novo Duende Verde, é ninguém menos que seu amigão Harry. O segundo, Flint Marko, ou Homem-Areia, é antes de tudo um azarado, um sentimental apaixonado pela filhinha. O terceiro, Venom, apenas um ladrãozinho de fotos com mania de grandeza.
Se partirmos da premissa hitchcockiana de que quanto mais bem-sucedido o vilão mais bem-sucedido o filme, então o novo "Homem-Aranha" é o menos interessante da série: quem tem três inimigos num filme só não tem nenhum.
Mas, se lembrarmos de que o aspecto mais interessante do herói sempre foram seus conflitos interiores, este episódio ainda consegue dar uma virada significativa, ao promover o amadurecimento do herói.
Plasticamente, essa situação é desenvolvida a partir de uma substância que adere, inicialmente, à moto de Peter Parker. Depois, apossa-se dele e lhe proporciona grande prazer. É assim que se manifestará seu "lado negro", do qual vaidade e individualismo não estão excluídos. O Homem-Aranha será vitimado, enfim, pela sociedade do espetáculo.
Essas transformações, ainda que salutares, apontam já para o crepúsculo do herói. Um homem, fosse ele o Homem-Aranha, que enfrenta a si mesmo e sobrevive a esse enfrentamento, está pronto para a aposentadoria, pois o pior já passou. Para prosseguir com a mesma força, daqui por diante, será preciso que os roteiristas dêem nó em pingo d'água. Mas em Hollywood dar nó em pingo d'água não é coisa impossível.
(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 03 de maio de 2007)